terça-feira, 17 de abril de 2007

PAN 2007

Ouro perdido

por Phydia de Athayde


Com o custo aumentado em dez vezes, e sem trazer melhorias estruturais para a cidade, os Jogos do Rio são uma metáfora do Brasil que não sabe crescer




Faltam menos de 150 dias para o início dos XV Jogos Pan-Americanos, dia 13 de julho, no Rio de Janeiro. Tempo curto se comparado ao que a cidade teve para se preparar. Também curto para obras que já não podem mais atrasar, como vinha acontecendo, sob o risco de simplesmente não ficarem prontas.


Mas o tempo é mais do que suficiente para que todos os envolvidos na organização passem a repetir, quando o assunto for o Pan-Americano, "estamos na última volta do ponteiro", "é a reta final". Agora vai. Agora que o orçamento cresceu mais de dez vezes e que o medo de um vexame internacional justifica tudo, agora vai.


A menos de cinco meses dos jogos, as disputas políticas amainaram, o dinheiro apareceu e algumas obras estão perto de ficar prontas. É hora de garantir ao País que tudo vai bem, que é o melhor momento já vivido pelo esporte nacional, que o Brasil está a um passo de se tornar sede de Olimpíadas, da Copa do Mundo de 2014, e assim por diante.


Por trás de tanto otimismo repousam, porém, fatos e atitudes capazes de arruinar as pretensões brasileiras de sediar grandes eventos esportivos internacionais. Ou, ainda, fazer com que aconteçam sem que tragam um mínimo de benefícios ao País. A maneira como o esporte é administrado, o descaso com a explosão nos custos e a displicência quanto ao planejamento urbano são alguns desses pontos.


O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) é presidido por Carlos Arthur Nuzman desde 1995. Formado em Direito, Nuzman foi jogador da Seleção Brasileira de Vôlei de 1962 a 1968. Pouco depois, em 1975, elegeu-se presidente da Confederação Brasileira de Voleibol e lá permaneceu durante 20 anos. À frente do vôlei, Nuzman aproximou o marketing do esporte e, com esse capital, pavimentou o caminho para as vitórias que a modalidade conquistou desde então. Mérito inequívoco.


O mesmo espírito de empreendedor aliado ao marketing levou Nuzman à presidência do COB, onde está há mais de 12 anos. Ao todo, são 32 anos como dirigente esportivo. Nas últimas eleições para a presidência da entidade, em 2004, nem sequer havia concorrentes. Nuzman reelegeu-se com facilidade, tal como deverá fazer em 2008. É criação dele, por sinal, uma cláusula que exige que qualquer candidato à presidência do COB esteja há pelo menos cinco anos na entidade. Na prática, dois mandatos.


Esse modelo que facilita a perpetuação de dirigentes é criticado por atletas como Oscar Schmidt, o maior craque que o basquete brasileiro já teve:


– Os presidentes entram, não têm salário e não querem mais sair. No nosso sistema votam clubes, federações e confederações, só quem não vota é a parte mais importante do esporte, o atleta. O atleta não manda nada, não é respeitado e fazem o que querem dele.


O distanciamento entre a realidade do atleta e a realidade dos dirigentes também pode ser visto sob outro aspecto. Das 33 confederações de esportes que estarão no Pan, a maioria (42%) tem sede no Rio de Janeiro. Em São Paulo estão 27% dessas entidades, embora o estado abrigue 45% dos atletas que treinam para o Pan. Muitos, inclusive, são esportistas que tiveram de abandonar o Rio em busca de patrocínio e apoio financeiro, itens cada vez mais escassos nos clubes cariocas.


Mesmo perdendo atletas, o fato de o Rio concentrar as sedes de confederações ajuda a explicar sua vitória nas votações para escolher a candidata ao Pan-2007. São Paulo, que foi sede do Pan-Americano em 1963, concorreu e foi derrotada. A capital fluminense é, por extensão, a fortaleza política de Nuzman.


Atletas de esportes olímpicos referem-se ao presidente do COB como "Deus", tamanho o seu poder. Uma das raras exceções a esse temor misturado com adulação está em Magic Paula, ou Maria Paula Gonçalves da Silva, uma das maiores jogadoras de basquete do País. Em 2003, ela pediu exoneração da Secretaria Nacional de Alto Rendimento, no Ministério do Esporte, por não concordar com a relação promíscua entre Nuzman e o então ministro Agnelo Queiroz.


Os custos da estadia de Paula e Queiroz na República Dominicana, durante o Pan-Americano de 2003, foram pagos pelo COB. Apenas uma das muitas cortesias da entidade a quem lhe interessa. Além de não concordar com esse comportamento, Paula critica a falta de planejamento do ministério e o abandono das categorias de base no esporte. Ela falou a CartaCapital sobre o que significa um Pan no Brasil:


– O problema do esporte brasileiro é mais embaixo. Não é um Pan-Americano aqui que vai solucioná-lo. Além do mais, esse é um gasto absurdo. Com muito menos dinheiro daria para estruturar o esporte no País. O Pan é importante para dar visibilidade ao esporte e seria bom se tivéssemos base, se tivéssemos estrutura para os atletas se manterem e trabalharem. Fico preocupada com os atletas depois que tudo acabar e eles voltarem a viver na corda bamba.


Paula diz que um dos fatores que perpetuam as mazelas do esporte é focar os patrocínios apenas nos atletas de ponta, esquecendo da base:


– Na formação de atletas mesmo, pouca gente está interessada. Só interessa quem já está lá em cima. Não existe política esportiva para o País, então cada um faz à sua maneira. Quando o governo cria uma lei de incentivo que não exige contrapartida social, os beneficiados serão os mesmos de sempre.


Paula refere-se à Lei de Incentivo ao Esporte, sancionada pelo presidente Lula em 29 de dezembro de 2006. Formulada nos moldes da Lei Rouanet, a lei prevê a renúncia de parte do Imposto de Renda para ser investida no esporte. A exemplo do que já acontece com a Lei Rouanet, teme-se que os benefícios fiscais acabem indo para projetos que ofereçam grande visibilidade e beneficiem, sobretudo, quem goze de ótimo trânsito nas ante-salas de marketing.


Para 2007, estima-se que 300 milhões de reais sejam destinados a projetos ligados ao esporte em razão da nova lei. No Brasil, desde 2001, a Lei Agnelo-Piva destina 2% da arrecadação das loterias para o esporte olímpico. O COB recebe esse dinheiro e trata de repassá-lo para as confederações e para si mesmo. No ciclo olímpico para os Jogos de Atenas, a entidade recebeu 158 milhões de reais.


Boa parte desse montante é usada para custear viagens internacionais dos atletas, feitas sempre através da agência de viagens oficial do COB, a Tamoyo Internacional.


A verba também ajuda a manter as instalações do COB, na Barra da Tijuca, e do Comitê Organizador dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (CO-Rio), no mesmo prédio. No CO-Rio trabalham mais de dez ex-atletas olímpicos. Paula Andrade e Paula Hernandez, do vôlei. Agberto Guimarães e Rafael Gonçalves, do atletismo. Christiane Paquelet e Ricardo Prado, da natação. Ricardo Trade, do handebol. Sebástian Pereira, do judô. Soraya Carvalho, da ginástica, e Cecília Marques, do pólo aquático, entre outros, como o ex-atleta do remo e vice-presidente do CO-Rio, André Richer.


Não é essencialmente condenável que ex-atletas trabalhem nos comitês olímpico e pan-americano. Grave é quando integrantes do COB trabalham em empresas que prestam serviços ao próprio COB. O chefe da delegação brasileira nas Olimpíadas de Atenas e Pequim, Marcus Vinícius Freire, ex-atleta do vôlei, até o ano passado era diretor de marketing da seguradora Aon Brasil. Por anos a Aon, de Freire, serviu ao COB, de Nuzman.


A delegação brasileira nas Olimpíadas de Atenas usou uniformes assinados pela estilista Mônica Conceição, que é cunhada de Nuzman. Aos amigos, tudo.


Há mais relatos de condutas pouco louváveis, para não dizer escandalosas, como o assédio a uma empresa do setor de alimentação. Um emissário do COB contatou-a oferecendo intermediação para o processo de licitação pública. A empresa recusou a oferta. E declinou da licitação.


Outro relato trata de um fornecedor de painéis eletrônicos convidado a oferecer seus produtos por um valor acima do preço normal. A empresa recusou o convite. Em seguida, surge uma segunda empresa, disposta a comprar os equipamentos da primeira e a revendê-los pelo preço sugerido.


Críticos do COB dizem que o Pan-Americano tornou-se um "balcão de negócios". Não se depender das palavras do secretário-geral do CO-Rio, Carlos Roberto Osório, para quem "nenhuma instituição no Brasil é tão controlada quanto o CO-Rio" ( entrevista abaixo). Osório explica que toda a movimentação financeira para os Jogos Pan-Americanos é sujeita à aprovação dos Tribunais de Contas do Município, do Estado e da União, além de cumprir "procedimentos administrativos aprovados pelo nosso conselho-executivo baseados na legislação em vigor".


Mesmo assim, só não dá para ignorar que os Jogos Pan-Americanos no Brasil custarão dez vezes mais que o programado. Há muitas versões para essa explosão de gastos. Nuzman devolve a pergunta: "Que país cumpriu um orçamento inicial?" É verdade que faz parte da história de Olimpíadas estourar orçamentos ( histórico dos Jogos nesta página). Só não se tem notícia de um orçamento que tenha decuplicado. Ainda mais de um Pan-Americano.


Antes de seguir, convém lembrar que Jogos Pan-Americanos são tradicionalmente pouco significantes no cenário mundial. Em toda a história das 14 edições do Pan, somente dez recordes mundiais foram quebrados. Nas Olimpíadas de Atenas, para ter uma idéia, foram batidas 21 marcas mundiais. Juca Kfouri observou em sua coluna, na Folha de S.Paulo, que desde 1979 não se bate um recorde mundial em Pan-Americanos. Além do mais, "a gastança desenfreada que jornais vêm denunciando é criminosa", denuncia Kfouri, e identifica a "chantagem que era prevista diante do fato consumado e da necessidade de salvar o País".


Faz cinco anos que o Rio de Janeiro foi escolhido para ser a sede do Pan-Americano de 2007. Agora, a pouco mais de cinco meses do início dos Jogos, o temor de um fracasso justifica gastos emergenciais. O discurso oficial repete que tudo está sob controle, mas há apreensão no ar.


Na terça-feira 6, o presidente Lula esteve no Rio de Janeiro para a primeira inauguração de algo relacionado ao Pan. O Centro de Operações Tecnológicas compilará todos os dados referentes aos Jogos e custou 112 milhões de reais aos cofres do governo federal. Ao lado do ministro do Esporte, Orlando Silva, do governador do Rio, Sérgio Cabral, e de representantes do Comitê Olímpico e do município, Lula frisou querer um "acompanhamento milimétrico" das obras de agora até julho. Repetindo a tese do COB, voltou a ligar o sucesso do Pan às chances de o Brasil ser sede das Olimpíadas de 2016:


– A responsabilidade dos entes federativos é decisiva para a imagem que o Brasil quiser mostrar. Os Jogos Pan-Americanos serão uma espécie de vestibular para a nossa competência em organizar eventos esportivos. O Brasil não medirá esforços para que os Jogos Pan-Americanos sejam os melhores já realizados nesta América.


É mesmo bom serem os melhores Jogos Pan-Americanos da América, já que o governo federal investiu, sozinho, 1,5 bilhão de reais. Dez vezes além do previsto inicialmente, vale relembrar. O que faz um orçamento decuplicar? Talvez ambição. Ou pretensão. O Brasil candidatou-se para receber Jogos Pan-Americanos. Assim que foi escolhido, passou-se a tratar os Jogos como uma pré-candidatura olímpica. Essa tese, defendida pelo COB, foi bem costurada e é defendida nas três esferas de governo, como se verá. O secretário-executivo do Comitê Gestor das Ações Federais para o Pan-Americano, Ricardo Leyser, falou a CartaCapital:


– Há 30 anos não se fazem investimentos de porte em equipamentos esportivos no Brasil. Se o investimento é feito, ele não pode visar só um evento. É importante que capacite o País para uma Olimpíada, para um Mundial. O Brasil é candidato a sede dos Jogos Mundiais Militares de 2011, por exemplo. É mais caro, mas não valeria a pena não fazer.


Leyser, no entanto, critica a forma como o orçamento foi apresentado inicialmente pelo COB:


– Originalmente, essa divisão de recursos foi mal planejada. Não foi realista. A conta do governo federal multiplicou por 10, o que é significativo. Alguns itens não estavam previstos, como os investimentos em segurança. Estamos comprando 27 aeronaves, algumas ficarão no Rio, outras serão distribuídas. Mais de 1,1 mil viaturas ficarão no Rio, isso é legado.


O investimento federal em segurança, estimado em 385 milhões de reais, visa dar tranqüilidade aos cariocas, aos turistas e aos atletas. Convém levar em conta a questão das milícias que proliferam no Rio. Essas organizações vêm tomando as favelas, especialmente no entorno das vias de acesso, como a Linha Amarela, ou dos complexos esportivos. A chance de estourarem revides violentos, inclusive durante os Jogos, não é baixa.


Ruy César Miranda Reis, secretário especial do município para o Pan, evitou o tema segurança. Preferiu falar de orçamento:


– Se fosse apenas para o Pan-Americano, os Jogos custariam 300 milhões de reais e a prefeitura entraria com 172 milhões. Hoje, nossos custos passam de 1 bilhão de reais. Os Jogos tinham um valor, mas, com a candidatura para a Olimpíada, isso cresceu. Esse centro tecnológico, por exemplo, seria importante para o Pan-Americano, mas não é fundamental. É um salto de pretensão e de qualidade.


No governo do estado, entra Sérgio Cabral e saem os Garotinho. O novo secretário estadual de Esportes e Turismo, Eduardo Paes, falou a CartaCapital da situação das obras:


– Encontramos um débito monstruoso, obras quase paradas ou muito atrasadas, como as do Maracanãzinho. Só este ano, o governo estadual liberará 250 milhões de reais, a maior parte para obras no complexo do Maracanã. É um esforço enorme.


Nem o esforço dos governos estadual, federal e municipal será capaz de oferecer à cidade algo além dos locais de competição. A saber: o setor de transporte público seria, de acordo com o projeto de candidatura, o maior beneficiado com os Jogos. Previam-se novas linhas de metrô (duas delas constavam no caderno de encargos da candidatura), a implantação de corredores de ônibus e até de uma linha de barca marítima que ligaria a Barra da Tijuca ao centro da cidade ( quadro ao lado). Nada saiu do papel. As propostas mofam no plano diretor de transportes da cidade, publicado no Diário Oficial do Município em maio de 2006.


Além de não haver melhora no transporte público, a cidade ainda terá de absorver os milhares de turistas e garantir que atletas e oficiais ligados ao Pan cheguem aos locais de competição a tempo. Como? Coube à prefeitura o deslocamento da chamada Família-Pan (equipes e oficiais). A despeito dos congestionamentos que a cidade já enfrenta diariamente, o prefeito Cesar Maia não se alarma:


– É preciso levar em conta que 70% dos eventos acontecerão na Barra. E os deslocamentos para a zona sul, para Deodoro e para o Maracanã serão feitos em corredores exclusivos durante a passagem pela Lagoa-Barra.


A ligação Lagoa-Barra já é uma das mais congestionadas da cidade. Ao público restará enfrentar engarrafamentos ou tentar o transporte público disponível ou, ainda, as linhas circulares que estão para ser criadas. Ao redor dos locais de competição não será permitido estacionar veículos particulares.


O caos anunciado nas avenidas cariocas levou o ministro do Esporte, Orlando Silva, a fazer a primeira crítica às oportunidades perdidas com o Pan. "Em infra-estrutura poderíamos ter algo a mais. Sobretudo, para quem acalenta o sonho olímpico, precisaríamos de um transporte melhor", pontuou. Silva também lembrou que as mesmas deficiências no transporte contribuíram para a derrota do Rio à candidatura olímpica para 2008.


A menos de cinco meses dos Jogos Pan-Americanos, é visível que a prioridade de investimentos foi para as instalações esportivas, enquanto a cidade foi deixada em segundo plano.


A candidatura também previa a despoluição da Baía de Guanabara, onde acontecerão as competições de vela, e da Lagoa Rodrigo de Freitas, área de remo e canoagem. Não vão acontecer. Aos atletas da vela, restará deslizar sobre dejetos. "É tanto lixo que tenho medo de arrebentar uma prancha de 4 mil dólares, batendo numa geladeira", reclamou o velejador Bimba, depois de conhecer as condições da Baía de Guanabara.


Perdida a oportunidade, sobram as explicações. Leyser, do Comitê Gestor das Ações Federais no Pan, alega:


– O Pan não tem uma agenda ambiental obrigatória. Isso são invenções. O que há de efetivo são os projetos de despoluição da baía, em andamento muito antes de o Rio ser candidato. E o governo federal fornecerá 25 milhões de reais para construção de uma estação de tratamento de esgoto próxima à Vila do Pan, que ajudará a despoluir as lagoas da Barra.


Quanto ao transporte:


– Investir em transporte também não é obrigação do Pan. Não prometemos nada. É uma promessa que alguém fez aí, mas também não é obrigatório para o Pan. É claro que o ideal é que tivesse havido um investimento maior em legado.

Já que o grosso dos investimentos foi para as instalações esportivas, cabe discutir o que será feito delas após os Jogos. A obra mais cara do Pan-Americano é a construção do Estádio João Havelange. Orçado em 166 milhões de reais, já está em 360 milhões. Mas ninguém sabe dizer o que será feito dele depois dos Jogos.


O Engenhão, como é chamado, é responsabilidade da prefeitura. Ele terá instalações para atletismo e também um campo de futebol. O destino disso tudo? "Pergunte à prefeitura", é o que se diz. Cesar Maia ensaia uma resposta:


– Espero que um clube de futebol do Rio assuma a concessão na licitação. O método será a participação da prefeitura nas receitas diversas.


Ruy Miranda, também da prefeitura, dá detalhes:


– Já conversamos com clubes da cidade, Flamengo e Botafogo. O Fluminense não se interessou muito. Vamos desenhar uma concessão para alguém do mundo empresarial que entenda de esporte e que tenha interesse em gerenciar aquele complexo esportivo.


A jogadora Paula também falou sobre o destino das instalações feitas para o Pan. Porém, com preocupação:


– O que será delas? Haverá programas de formação de atletas ou apenas eventos pontuais, para trazer dinheiro? Eu não sou do oba-oba. Não dependo de falar bem de um ou de outro. Vejo uma canaleta de dinheiro público escoando, e isso precisa de uma boa justificativa. Há muitas outras formas de dar visibilidade ao País.


As obras na Marina da Glória, por sua vez, ficarão marcadas como as mais problemáticas na organização desses Jogos. O projeto inicial previa mudanças drásticas na marina, tombada pelo patrimônio histórico, para torná-la capaz de abrigar as embarcações para a competição de vela. O assunto arrastou-se em uma queda-de-braço até parar na Justiça. Por pouco, a vela, um dos esportes em que o Brasil é destaque internacional, não é excluída do Pan. Depois de meses, enfim, chegou-se a um acordo que prevê instalações provisórias. Modestas e mais realistas.


A resolução do impasse na Marina da Glória talvez seja o melhor exemplo de um desfecho razoável nesses Jogos Pan-Americanos. A seu lado, outras duas obras também podem servir como analogias de um Brasil que quer ser grande, mas raramente acerta o caminho. O caríssimo e sem destino Engenhão, de um lado, e a abandonada e poluída Baía de Guanabara, de outro. Tristes trópicos.





Uma questão de estratégia


Carlos Roberto Osório, do CO-Rio, dá os detalhes finais do Pan


O secretáro-geral do Comitê Organizador dos Jogos Pan-Americanos do Rio, Carlos Roberto Osório, forma, ao lado de Carlos Arthur Nuzman, a dupla de ataque do Pan. Ele falou com exclusividade a CartaCapital.


CartaCapital: A menos de 150 dias dos Jogos ainda não se definiu que empresa fornecerá os ingressos. Quando a questão será resolvida? Quando os ingressos estarão à venda?

Carlos Roberto Osório: Ainda não temos a decisão. Durante o processo de concorrência, apenas uma empresa apresentou a proposta fora dos padrões aprovados pelo conselho executivo. Cancelamos e abrimos outro processo de licitação com parâmetros revisados. A previsão é que o novo processo seja concluído em fevereiro e que no início de março façamos o anúncio público de toda a operação. As vendas iniciam em março. Teremos categorias diferenciadas de preço e ingressos populares na maioria dos eventos. Não é do nosso interesse que os Jogos sejam elitistas.


CC: Com um preço médio estimado em 30 reais, haverá uma cota de ingressos gratuitos?

CRO: Sim, estamos chamando de ingressos sociais. Falta definir a quantidade, em que provas estarão e como serão distribuídos.


CC: A cidade receberá milhares de pessoas e não tem estrutura para absorver esse volume extra no sistema de transporte. Como amenizar o caos?

CRO: Nos Jogos Pan-Americanos não há exigência de executar projetos de infra-estrutura na área de transportes. Esse compromisso acontece em candidaturas olímpicas. Além de algumas coisas tópicas, esses investimentos não puderam ser feitos. A prefeitura é responsável pelo manejo do transporte durante os Jogos. Há um cuidado muito grande na tomada de decisões na questão do transporte, que é crítica em qualquer megaevento. Não diria que teremos um problema terrível.


CC: O Rio foi escolhido apenas para ser sede do Pan. No entanto, as obras foram baseadas na idéia de pleitear Jogos Olímpicos. Quem custeará a manutenção dessas instalações e como garantir que daqui a oito anos elas não estarão defasadas?

CRO: A responsabilidade de manutenção de cada equipamento é do órgão governamental responsável por ele, que pode concedê-lo à iniciativa privada. Essa foi a estratégia montada.


CC: As empresas que prestam serviço ao COB passam por licitação?

CRO: A Lei Piva não impõe nada ao Comitê Olímpico Brasileiro. Os recursos são repassados ao COB, e nós temos um procedimento para a utilização deles. Não é uma licitação pública. Somos uma entidade privada, mas recebemos recursos públicos e temos de prestar contas. Todos os procedimentos administrativos foram aprovados pelo nosso conselho executivo, baseados na legislação em vigor. Prestamos contas aos Tribunais de Contas do Município, do Estado e da União, além da Controladoria-Geral do Município e da União. Muito francamente, nenhuma instituição no Brasil é tão controlada quanto o CO-Rio.


CC: Qual será o destino do Engenhão?

CRO: Responsabilidade da prefeitura da cidade.


CC: Todos repetem isso, mas o que efetivamente se pode dizer a respeito?

CRO: O projeto do estádio João Havelange é de um nível espetacular. Em termos esportivos, nenhum estádio do mundo é mais moderno. Em minha opinião tem um futuro bastante interessante.




Giro olímpico


Receber Jogos internacionais pode ser maravilhoso. Ou desastroso


Se o Brasil escolher como critério para avaliar o seu Pan-Americano a última edição dos Jogos, na República Dominicana, dificilmente se sairá mal. Os Jogos de 2003 foram problemáticos desde a preparação até durante as competições. A quatro meses do início dos Jogos, apenas 30% das instalações esportivas estavam prontas. Boa parte não ficou pronta a tempo. Provas de natação, por exemplo, tiveram de ser canceladas por não haver local para se realizarem. No Pan de Santo Domingo, essencialmente, faltou dinheiro. Não é, como vimos, o que ocorre no Rio de Janeiro.


É verdade que, quando se trata de Olimpíadas, as previsões originais de gastos nunca são seguidas. Não que decupliquem, mas é comum orçamentos crescerem e até duplicarem. É o que já acontece na organização dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. O Parque Olímpico foi orçado em 3,6 bilhões de euros, mas uma nova avaliação do projeto estima que vá custar o dobro. Vale ressaltar, o Parque Olímpico será construído em uma área degradada da cidade. Outra diferença é que, por lá, o aumento no orçamento é tratado como escândalo.


Cada país tem a sua cultura. Engana-se quem pensa que o Comitê Olímpico Internacional (COI) esteja livre de denúncias de irregularidades. Os franceses questionam a escolha da capital do Reino Unido e acusam integrantes do COI de corrupção.


São peculiaridades, como as que diferenciam chineses de brasileiros, que revelam as culturas. Por exemplo, já se pode comprar ingressos para as Olimpíadas de Pequim, em 2008, mas ainda não é possível comprá-los para o Pan do Rio, daqui a cinco meses.

Na questão do orçamento, Pequim anunciou que gastará 2 bilhões de dólares para os custos operacionais dos Jogos. Mas, provavelmente, despenderão muito mais para melhorar a infra-estrutura da cidade.


Realizar Jogos Olímpicos pode trazer benefícios permanentes para uma cidade, como em Barcelona ou Sydney. Mas, também, prejuízos estrondosos, como em Montreal ou Atlanta.


Para a edição de 2004, Atenas anunciou que gastaria 1,9 bilhão de euros, mas acabou consumindo mais de 9 bilhões. Um escândalo, que tornou esses os Jogos Olímpicos mais caros da história. Por enquanto.

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