quarta-feira, 27 de abril de 2011

Análise: Crise na Síria tem implicações profundas para Oriente Médio

Fonte : Folha de São Paulo  25/04/2011 - 11h50





JONATHAN MARCUS


DA BBC NEWS



Há décadas a Síria tem sido um dos países mais estáveis do Oriente Médio.


Em fevereiro de 1982, um levante de muçulmanos sunitas na cidade de Hama foi violentamente reprimido pelo pai do atual presidente, Hafez al Assad. Há variações nas estimativas, mas acredita-se que milhares teriam sido mortos.

A atual onda de protestos contra o governo do presidente Bashar al-Assad começou em março e se alastrou por várias cidades do país.

Desta vez, o número de mortos estaria na casa das centenas e muitos mais estariam feridos --é difícil ter confirmação dessas estimativas--, mas o regime continua mostrando a mesma tendência de reprimir oponentes com violência.

A Síria é um mosaico complexo de comunidades e talvez o presidente Assad acredite que possa usar essas divisões para se manter no poder.

Sua família e aliados têm o controle sobre as forças de segurança e o Exército, portanto, há poucas chances de uma repetição do modelo egípcio, onde os militares se voltaram contra o regime.

Os acontecimentos no país estão sendo observados com atenção e inquietude, tanto no Oriente Médio quanto no resto do mundo.
A situação da Síria é de grande relevância para a região. Em comparação com ela, a Líbia, por exemplo, se torna um país periférico.

Os sírios fazem parte de uma aliança que reúne o Irã, os militantes do Hizbollah no Líbano, o Hamas na faixa de Gaza e outros grupos radicais palestinos opostos à paz com Israel.

Se a Síria mergulhar no caos, esta aliança pode se enfraquecer, mas o impacto mais grave poderá ser sentido no vizinho Líbano.

Uma verdadeira colcha de retalhos que agrega comunidades diversas, o Líbano, ao contrário da Síria, tem uma história marcado por instabilidade política.


ISRAEL OBSERVA

Uma Síria forte representa um elemento estabilizador no Líbano. O caos em um poderia levar ao caos no outro.

Israel também observa com preocupação os acontecimentos no país vizinho. A Síria tem sido um inimigo previsível. Até mesmo um governo sírio enfraquecido poderia trazer outros tipos de problema.

Há tempos, um grupo de militares e diplomatas israelenses vinha defendendo a ideia de que se fizesse um acordo de paz com a Síria, antes de qualquer acordo com os palestinos.

O grupo ressaltava a importância da estabilidade do regime em Damasco, argumentando que os líderes da Síria eram pessoas com quem era possível negociar. Também haveria maior probabilidade de que continuassem no poder para honrar acordos no futuro, argumentavam os militares e diplomatas.

Agora, em meio à incerteza que aflige tantos dos países árabes vizinhos de Israel, o lobby da "Síria primeiro" no país deve estar seriamente enfraquecido.

A impressão que se tem é de que a conjuntura geopolítica da região está sendo alterada sob o impacto da "Primavera Árabe".

Ainda é cedo, mas divisões na região, que um dia foram vantajosas para Israel - como, por exemplo, as divisões entre o Irã xiita e importantes Estados sunitas pró-ocidente, como o Egito - podem estar ficando menos pronunciadas.

PREOCUPAÇÃO DOS EUA



Washington também acompanha de perto as mudanças.O governo do presidente Obama vem, há tempos, considerando a possibilidade de tirar o líder sírio do isolamento. O objetivo de uma iniciativa como essa seria trazer Assad para o time dos ocidentais e incentivá-lo a se afastar do Irã.A Europa parece ter saído na frente, com a França na dianteira. Mas um novo embaixador americano chegou a Damasco em janeiro, o primeiro a ser enviado ao país desde 2005.

Seu antecessor foi retirado do posto após o assassinato do primeiro-ministro libanês Rafik Hariri. Washington suspeitava de que a Síria estaria envolvida no assassinato.

Os Estados Unidos condenaram a violência do governo sírio contra seus próprios cidadãos, mas parecem ter procurado, sem sucesso, formas eficientes de influenciar o governo de Assad.

O mapa político do Oriente Médio está mudando. Novas forças foram liberadas. Mas também há pressões na direção oposta. Por exemplo, por parte da Arábia Saudita, que parece determinada a cortar pela raiz os brotos da "Primavera Árabe" que ousam desabrochar na sua vizinhança.

Não está claro em que direção caminha o Oriente Médio. O otimismo gerado pelos acontecimentos na Tunísia e Egito está diminuindo.

Há tantas chances de que surjam novos tipos de autoritarismo como de que floresçam democracias.

O caso da Líbia representa um teste. Mas para a região como um todo, a Síria pode ser um exemplo muito mais importante.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

A confusa Política Nuclear brasileira - www.comciencia.br

Fonte : www.comciencia.br/reportagens/nuclear/nuclear09.htm


A confusa política nuclear brasileira A inauguração da usina de Angra 2 é mais um resultado da confusa, contraditória e cambiante política nuclear brasileira, que se inicia na década de 1940, resultando na criação do próprio CNPq, em 1951. Nessa política, misturam-se os mais diversos interesses de militares, políticos, grandes potências, empresários e cientistas. Na maior parte das vezes as razões energéticas foram meras justificativas para esconder estratégias militares ou interesses econômicos.


Podemos dividir o desenvolvimento nuclear brasileiro em três períodos distintos: a fase nacionalista (1949-1954), a fase diplomática (1955-74), e a fase do desenvolvimento dependente, que se inicia em 1975 e estende-se até hoje. Contudo, os primeiros trabalhos já são registrados em 1934, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Nos Anais da Academia Brasileira de Ciências em 1944 documentam-se as primeiras pesquisas sobre teorias das forças nucleares. O pesquisador Paulo Marques, em seu livro Sofismas nucleares: o jogo das trapaças na política nuclear no país, adota a divisão temporal acima para entender a história da política nuclear brasileira. Carlos Girotti, no livro Estado nuclear no Brasil, também adota uma divisão semelhante, considerando a transição, em 1975, para a fase do desenvolvimento dependente, a mais marcante.

No início da década de 40, antes da primeira bomba atômica ser detonada, os EUA, que já faziam pesquisas na área nuclear visando objetivos militares, firmam o primeiro programa para a prospecção de recursos minerais brasileiros. Este programa resultou em diversos acordos, firmados na mesma década e na seguinte, chegando o Brasil a trocar, em 1954, dez mil toneladas de minerais radioativos brutos (monazita e terras raras) por cem mil toneladas de trigo.

A grande figura da fase nacionalista que se inicia é o almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva. Já em 1946, numa reunião das Nações Unidas em que os EUA propuseram um tratado internacional que criaria uma autoridade mundial responsável pela gestão de todas as reservas de urânio do mundo, o Brasil, representado pelo almirante Álvaro Alberto, juntamente com a União Soviética, são os únicos países a oporem-se ao chamado Plano Baruch, que assegurava aos EUA o monopólio da tecnologia e das matérias-primas nucleares no mundo ocidental. Nesta oportunidade, Álvaro Alberto propôs o Princípio das Compensações Específicas, em que o Brasil, assim como outros países subdesenvolvidos, forneceriam a matéria prima desejada em troca de um preço justo e da prioridade na instalação, em seu território, de reatores nucleares de todos os tipos.

Em 1947 é criada a Comissão de Fiscalização de Minerais Estratégicos e se inicia uma intensa disputa, dentro do Estado, de setores interessados ou não na exportação de material radioativo bruto. As exportações de monazita continuam até 1951 quando é criado, por sugestão da Comissão de Fiscalização de Materiais Estratégicos, o CNPq. Entre as atribuições do então Conselho Nacional de Pesquisas está o controle das reservas de urânio e tório que, neste momento, tem sua exportação proibida.

Entretanto, em 1952, é criada a Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos, uma comissão que responderia diretamente ao Ministério das Relações Exteriores, sendo composta de funcionários dos ministérios da Fazenda, da Agricultura, das Forças Armadas, do CNPq e da Cacex. Ou seja, o CNPq tem o seu poder sobre as reservas de urânio e tório diluído e as exportações aos norte-americanos recomeçam. Na verdade, o Brasil estava sendo pressionado a enviar tropas para a Guerra da Coréia e, para não fazê-lo, volta a exportar o seu urânio.

Neste momento, o almirante Álvaro Alberto, que havia estudado física na Alemanha antes da Segunda Guerra, é presidente do CNPq. Usando de seus antigos contatos encomenda a físicos alemães, em 1954, a construção de três conjuntos de centrifugação para o enriquecimento de urânio. Os conjuntos acabam sendo interceptados pelo Alto Comissariado do Pós Guerra, 24 horas antes do embarque para o Brasil, a partir de denúncia feita pelo militar brasileiro Octacílio Cunha. Documentos revelados posteriormente mostram que o Brasil estaria sendo impedido de buscar o enriquecimento do urânio por ser um país localizado dentro da área de influência dos EUA.

Com o suicídio do presidente Getúlio Vargas e a exoneração de Álvaro Alberto da presidência do CNPq termina a chamada fase nacionalista. O novo presidente, Café Filho, assina, já em 1955, a integração do Brasil ao programa americano "Átomos para a Paz". O programa sinalizava que os EUA haviam desistido de impedir o acesso de outros países às tecnologias atômicas procurando agora inseri-los sob o seu controle e vigilância. Em 1956 é instaurada, sob pressão norte-americana, uma CPI para investigar supostas irregularidades no CNPq. Na verdade, o desenvolvimento atômico brasileiro é objeto de disputa entre dois setores do Estado, um representado pelo Itamaraty e outro pelo CNPq.

E é o setor representado pelo Itamaraty que vai dominar a fase diplomática. Neste mesmo ano de 1955 foram assinados dois acordos com os EUA: o Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento de Energia Atômica com Fins Pacíficos; e o Programa Conjunto para o Reconhecimento e a Pesquisa de Urânio no Brasil. O primeiro acordo previa que o Brasil arrendaria dos EUA, por um período de cinco anos, até seis quilos de urânio enriquecido a 20%, a ser usado como combustível para reatores de pesquisa encomendados também junto aos EUA. O segundo acordo previa a pesquisa e avaliação das reservas de urânio brasileiras, que seriam vendidas aos EUA.

Contudo, a posse de Juscelino Kubitschek em 1956, significará uma nova conjuntura para a política nuclear brasileira. São criados neste ano o IEA (Instituto de Energia Atômica) na USP - que será transformado no Ipen (Instituto de Pesquisas Energética e Nucleares) -- e a Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear), diretamente subordinada à presidência da república. São estabelecidas diretrizes para uma política nacional de energia nuclear, em que há uma tentativa, através de medidas aparentemente contraditórias, de resgate da autonomia no setor. Nos anos seguintes, são firmados acordos com outros países que não os EUA.

Este período é o de maior desenvolvimento dos grupos de pesquisadores nas universidades e nos centros de pesquisa. Os reatores de pesquisa norte-americanos foram trazidos a diferentes grupos de cientistas brasileiros. Criado em 1952, o Instituto de Pesquisas Radioativas (ligado à UFMG), em Belo Horizonte, é um destes grupos, mas também abriga, no final da década de 1950, o Grupo do Tório, uma equipe de pesquisadores que busca o desenvolvimento de um reator de pesquisa diferente daqueles que já operavam no Brasil, baseados em urânio enriquecido e água leve. O reator que buscavam desenvolver seria baseado em diferentes ciclos de combustível (não necessitando de urânio enriquecido) e água pesada. Suas pesquisas foram encerradas em 1975, quando o governo federal optou pelos reatores de água leve e firmou o Acordo com a Alemanha Ocidental.

Em 1963, o Instituto de Energia Nuclear, criado em convênio da Cnen com a UFRJ, passa a construir um reator com componentes nacionais, à exceção do combustível. Chamado de Argonauta, o reator entra em operação em 1965. Nesse momento, a Cnen é o órgão que gere a exportação de minérios para uso nuclear. Estas agências governamentais que foram criadas formaram uma burocracia técnica para o setor nuclear, com importantes consequências no desenvolvimento e manutenção do mesmo. Esta tecnocracia ganhará ainda mais importância após o golpe militar de 1964 e a conseqüente centralização do Estado.

Anteriormente, em 1959, foi criado o projeto Mambucaba, que previa a construção de uma usina para a geração de energia nuclear em uma praia vizinha a que hoje estão instaladas as usinas de Angra 1 e 2. O projeto, entretanto, não andou por falta de força política da Cnen, e acabou engavetado pela decisão momentânea dos militares de não usar a energia nuclear como fonte de energia elétrica.

Em 1967, o Brasil assina o Tratado de Tlatelolco, em que alguns países da América Latina comprometem-se a não fazer uso do poder nuclear como arma militar. O documento, entretanto, é ambíguo, dado que a energia nuclear pode servir tanto para fins pacíficos como para fins militares. No ano seguinte, o Brasil recusa-se a assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, alegando ser este limitador da soberania nacional.

Ainda em 1967 a Cnen, agora vinculada ao Ministério das Minas e Energia, firma um acordo para a construção da primeira central de geração de energia nuclear. O lugar escolhido é Angras dos Reis, principalmente pela proximidade com os grandes centros do sudeste. Uma concorrência internacional é aberta, em 1970, para a compra do reator de Angra 1 e é vencida pela norte-americana Westinghouse, subsidiária da General Electric.

Em 1972 o Brasil assina um novo acordo com os EUA, em que estes forneceriam urânio enriquecido (numa quantidade que não ultrapassasse 2300 kg em 30 anos) em troca de urânio natural brasileiro. Ficava a cargo da Comissão de Energia Atômica dos EUA o controle das instalações brasileiras para que estas não fizessem uso militar. Neste acordo também fica acertado que o reator de potência a ser vendido para o Brasil seria um PWR (Reator de Água Pressurizada). Era um contrato do tipo caixa-preta, em que a última coisa que ocorreria seria a incorporação de tecnologia. Também o financiamento do projeto gerou muitas suspeitas, pois foi feito por um banco que logo em seguida foi comprado pelo então Ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen. Outros países subdesenvolvidos também vinham desenvolvendo projetos de reatores de potência, como a Argentina e a Índia. Esta última, em 1974, detona a sua primeira bomba atômica, contruída a partir de subprodutos (como o plutônio) de seu reator de potência. Este fato dificulta ainda mais as negociações com os americanos para a construção do reator brasileiro. Em virtude disso, em 1975, é assinado o Acordo Brasil-República Federal da Alemanha, sendo esta transformada em parceira oficial do Brasil com relação a assuntos nucleares. Este acordo encerra a fase diplomática - em que foram criados os principais institutos de pesquisa e órgãos estatais para assuntos nucleares - e inicia a fase do desenvolvimento dependente.

O acordo com a Alemanha, entretanto, não significou uma grande melhoria com relação à transferência de tecnologia. O contrato continuava a ser no estilo caixa preta e pressões populares na Europa dificultaram o envio de material radioativo para o Brasil. Soma-se a isso as dificuldades financeiras enfrentadas pelo Brasil na década de 1980, inviabilizando investimentos vultuosos no programa nuclear. As empresas criadas quando do acordo com a Alemanha para o desenvolvimento nacional da tecnologia (Nuclebrás e suas subsidiárias) não alcançaram êxito. No entanto, a combalida política nuclear desenvolvida durante estes anos foi suficiente para criar uma classe de pesquisadores bastante atuante na defesa da pesquisa nuclear no Brasil. Apesar da opção do Estado brasileiro de importar totalmente a tecnologia para a construção de reatores de potência, a pesquisa nuclear continuou localizada principalmente nos centros de pesquisa universitários e com o forte apoio de um grupo de militares. Em 1979, inicia-se o Programa Nuclear Paralelo, desenvolvido pela marinha e apoiado pelo Ipen/Cnen-SP (antigo IEA) com o objetivo de desenvolver um submarino nuclear.

Este programa foi mantido durante um longo período fora do conhecimento público. Em setembro de 1987, o então presidente José Sarney anunciou o domínio do enriquecimento do urânio, alcançado pelos pesquisadores envolvidos no Programa Nuclear Paralelo. No ano seguinte, a Nuclebrás é extinta e o Programa Nuclear Paralelo é incorporado às pesquisas oficiais. O controle de Angra 1 e do canteiro de obras de Angra 2 e 3 foi transferido para a então estatal Eletrobrás. Com a venda recente da Eletrobrás foi criada a Eletronuclear, uma estatal ligada à Cnen que gere as atividades em Angra, ainda obedecendo aos acordos firmados com a Alemanha (através da Siemens). Com relação ao conhecimento científico, pode-se dizer que os maiores progressos foram conseguidos pelo Ipen, através do grande aporte de recursos da marinha, interessada no desenvolvimento do sistema de propulsão do submarino nuclear (projeto com orçamento previsto de 1,4 bilhões de dólares). Segundo José Roberto Rogero, diretor de materiais do Ipen, hoje o Brasil domina o ciclo do enriquecimento do combustível para reatores nucleares de pesquisa, estando a tecnologia para reatores de potência pronta para a industrialização, que deve ser feita pela INB (Indústrias Nuleares do Brasil). Esta é a herdeira das subsidiárias da Nuclebrás e conta com a transferência da tecnologia desenvolvida pelo Ipen para o enriquecimento de urânio a ser usado como reator de potência (3,2%) e reator de pesquisas (20%).

Fonte : http://www.comciencia.br/reportagens/nuclear/nuclear09.htm

Energia nuclear – Revista Veja 1998 O delírio acabou
fonte http://www.veja.com.br/


O Brasil encerra definitivamente o sonho dos militares de construir a bomba atômica

Sandra Brasil - Durante dez anos, o Brasil manejou bilhões de dólares em contas secretas, fez importações clandestinas, envolveu-se com tráfico de tecnologia, subornou estrangeiros, escondeu atentados e enganou até presidentes da República. O único propósito era fabricar a bomba atômica. São capítulos do célebre programa nuclear paralelo, iniciado em meados da década de 70 e desenvolvido na penumbra. Na semana passada, diante do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, o presidente Fernando Henrique assinou o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, o TNP. Produzido em 1968, o TNP abre o país à fiscalização internacional de suas instalações nucleares e proíbe o uso da energia nuclear para fins bélicos. Na prática, a assinatura tem pouco efeito, pois o Brasil já recebe fiscais internacionais. Mas o gesto do presidente tem enorme significado simbólico. Enterra, definitivamente, a era em que o Brasil quis virar uma potência nuclear bélica.

As manobras clandestinas para fazer a bomba sempre foram misteriosas. E nem poderia ser diferente. Já houve até uma CPI no Congresso para investigar o assunto, porém nunca se soube em detalhes o que ocorria nos subterrâneos do programa nuclear. Mas toda vez que o assunto vem à tona descobrem-se algumas novidades:

Em 1990, quando o presidente Fernando Collor assumiu, fez-se uma devassa na Comissão Nacional de Energia Nuclear, a CNEN, que coordenava os trabalhos clandestinos dos militares. Descobriu-se que seu então presidente, Rex Nazareth Alves, que comandava o órgão desde o regime militar, retirara sete Kombi cheias de documentos. Eles nunca mais apareceram. Nazareth Alves diz que eram documentos pessoais.

Para controlar a pesquisa nuclear, o sucessor de Nazareth Alves na CNEN, o químico nuclear José Luiz Santana, deslocou onze fiscais para as instalações nucleares. Nos primeiros seis meses do governo Collor, Santana sofreu três atentados. Um, na porta da escola do filho, em São Paulo, onde foi alvo de uma rajada de balas. No outro, no Rio, os pneus do seu carro foram desparafusados. O último aconteceu em São Paulo, quando o chão do seu carro desabou. Haviam desconectado o volante do eixo do carro. Santana sempre escapou ileso. Os serviços de inteligência nunca apontaram os culpados.

Para agilizar o programa, os militares subornavam funcionários na Europa e nos Estados Unidos em busca de informações sobre tecnologia nuclear. O alvo predileto era a Euraton, indústria de enriquecimento de urânio com sede na Suíça. "Nos Estados Unidos, a Marinha comprou equipamentos que podiam ser vendidos mas não podiam deixar o país. Uma equipe de técnicos foi para lá, desmontou tudo e copiou peça por peça", diz um militar que trabalhou no coração do programa nuclear.

Pá de cal — A aventura da bomba começou com o acordo nuclear firmado entre Brasil e Alemanha, em 1975, pelo então presidente Ernesto Geisel. Por esse acordo, os dois países desenvolveriam a tecnologia para produzir o combustível nuclear — que inclui o enriquecimento do urânio — e construir no país oito novas usinas nucleares. As usinas gerariam energia elétrica, mas os militares namoravam secretamente a idéia de dominar o processo de enriquecimento do urânio, passo indispensável para fazer a bomba. Sob pressão americana, o acordo fracassou. Das oito usinas programadas, a primeira delas, a Angra II, será inaugurada no final deste ano, duas décadas depois do previsto. Quanto à usina de enriquecimento do urânio, nunca saiu do papel. Desde o fracasso do acordo, os envolvidos no projeto bomba foram para a clandestinidade. Movidos por verbas secretas, os militares trabalharam sozinhos. O Exército tentou desenvolver um reator a grafite, que produz plutônio, elemento usado na construção da bomba. A Aeronáutica fracassou ao querer enriquecer urânio por laser. Tentou ainda desenvolver um "vetor", foguete capaz de carregar o artefato nuclear. A Marinha chegou mais perto do objetivo. Conseguiu enriquecer urânio por meio de ultracentrifugadoras. Em 1987, o presidente Sarney convocou cadeia nacional de rádio e TV para anunciar que a Marinha dera o grande passo. Cheio de sombras, o programa nuclear começou a ruir no próprio governo Sarney, quando o presidente se aproximou do seu colega argentino, Raúl Alfonsín, e fez um acordo de paz nuclear para sepultar rivalidades. Só no governo Collor se soube que a Aeronáutica tinha até buracos na Serra do Cachimbo, na fronteira de Mato Grosso com o Pará, para fazer testes nucleares. Até esse buraco, no entanto, foi ocultado pelos militares. Collor, ao assumir, recebeu um relatório, com tarja de ultra-secreto, capa vermelha e cinqüenta páginas. Era o mapa da bomba, mas nada falava da Serra do Cachimbo. Quando soube do campo de testes, Collor foi lá e o fechou simbolicamente com uma pá de cal. Na semana passada, usando desta vez uma caneta, FHC acabou com o dispendioso e paranóico sonho da bomba brasileira. Além do TNP, o presidente ratificou outro acordo, endossado por apenas dezesseis países, que proíbe até testes nucleares. Enfim, o delírio acabou.

http://www.eletronuclear.gov.br/perguntas_respostas/index.php?id_categoria=3

www.g1.globo.com/.../usina-de-angra-3-ganha-licenca-e-comeca-ser-construida-na -terca.html

www.greenpeace.org/brasil/pt/ www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/energia.pdf

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Catástrofe Nuclear Fukushima - Japão

A energia nuclear não é necessária, limpa ou segura’


O mundo precisa de uma revolução energética imediata 24 de março de 2011 -
Kumi Naidoo, DIRETOR-EXECUTIVO DO GREENPEACE
The International Herald Tribune – Fonte : Jornal : O Estado de S.Paulo

Doze dias não foram suficientes para compreender a magnitude das catástrofes que se abateram sobre o Japão a partir de 11 de março. Das crianças que perderam seus pais nos desmoronamentos do terremoto, àqueles cujos entes queridos ainda estão desaparecidos após o tsunami, à grande quantidade de trabalhadores que arriscam sua saúde tentando estabilizar o complexo nuclear de Fukushima - há um sem fim de histórias trágicas. Mas, além do sentimento de pesar e empatia pelo povo japonês, estou começando a sentir uma outra forma de emoção, que é a raiva.

Enquanto aguardamos ansiosamente cada fragmento de notícia sobre os desdobramentos em Fukushima, esperando que os vazamentos de radiação sejam eliminados, o risco de novas catástrofes seja evitado e o povo japonês tenha um pesadelo a menos para lidar, governos de todo mundo continuam promovendo novos investimentos em energia nuclear. Apenas na semana passada, o governo de meu país, a África do Sul, anunciou que está acrescentando 9,6 mil megawatts de energia nuclear a seu novo plano energético. Há dois pressupostos perigosos atualmente se exibindo como fatos em meio à crise nuclear no Japão. O primeiro é que a energia nuclear é segura. O segundo é que a energia nuclear é um elemento fundamental de um futuro com baixas emissões de carbono - necessário para evitar uma mudança climática catastrófica. Ambos são falsos. A tecnologia nuclear sempre será vulnerável a erros humanos, desastres naturais, falhas de projetos ou ataques terroristas. O que vemos em Fukushima são falhas dos sistemas. Os reatores resistiram ao terremoto e ao tsunami, mas os sistemas de resfriamento falharam. Quando os equipamentos elétricos de emergência também falharam, os reatores superaqueceram e isso acabou acarretando vazamentos de radiação. Esse é apenas um exemplo do que pode dar errado.

A energia nuclear é inerentemente insegura e a lista dos males possíveis resultantes da exposição à radiação concomitante é assustadora: mutações genéticas, defeitos de nascença, cânceres e distúrbios nos sistemas reprodutivo, imunológico, cardiovascular e endócrino. Apesar de termos ouvido falar de Chernobyl e Three Mile Island, a indústria nuclear sempre quis nos fazer acreditar que esses foram casos isolados numa história quase impecável. Não é bem assim. Mais de 800 outros eventos significativos foram oficialmente reportados à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

O argumento de que a energia nuclear é um componente necessário para um futuro livre de emissões de carbono também é falso. O Greenpeace e o Conselho Europeu de Energias Renováveis montaram em conjunto um estudo chamado Energy (R)evolution, que demonstra como a energia limpa é mais barata, mais saudável e traz resultados mais rápidos para o clima do que qualquer outra opção. Esse plano pede o desligamento progressivo dos reatores nucleares e uma moratória à construção de novos reatores comerciais. Além disso, um cenário energético produzido pela AIEA salienta o fato de que a energia nuclear não reduz as emissões de gases causadores do efeito estufa. Mostra que embora a capacidade de energia nuclear existente possa ser quadruplicada até 2050, a proporção de energia que ela forneceria ainda ficaria abaixo de 10% em âmbito global. Isso reduziria as emissões de dióxido de carbono em menos de 4%. A mesma quantia de dinheiro investida em fontes de energia limpa e renovável poderia causar um impacto muito maior para reduzir o aquecimento global.

A energia nuclear é uma distração cara e mortífera às verdadeira soluções. As fontes de energia que dispensam combustíveis não geram conflitos internacionais, não "secam" e não vazam. Há investimentos iniciais a ser feitos, mas, com o tempo, o preço das energias renováveis declinarão à medida que a tecnologia evoluir e a competição do mercado derrubar os custos. Além disso, a aplicação sábia de um futuro verde, sem energia nuclear e fóssil, criará uma legião de empregos novos e seguros. No momento em que organizações como o Greenpeace se unem ao Centro de Informação Nuclear dos Cidadãos do Japão num apelo ao governo japonês pela melhoria de planos de retirada e outras medidas protetoras para pessoas que ainda estão na zona de interdição de 30 km do entorno de Fukushima; que a questão da contaminação de alimentos e água continua crescendo; que comprimidos de iodo continuam sendo vendidos por todo o globo e pessoas em lugares tão distantes do Japão estão em alerta por "nuvens radioativas" - é imperativo que, como cidadãos, continuemos expressando oposição a novos investimentos em energia nuclear. Precisamos de uma revolução energética realmente limpa, já. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

Gravidade de acidente nuclear japonês é a segunda pior em escala, diz França -Vazamento teria atingido nível seis em medição até sete; para Japão, contágio ainda está no nível quatro 15 de março de 2011 Fonte : Jornal O Estado de São Paulo

A Autoridade de Segurança Nuclear da França (ASN) informou nesta terça-feira que as explosões ocorridas na central japonesa de Fukushima Daiichi atingiram o nível seis de gravidade em uma escala internacional que vai até sete. O Japão, até o momento, classificou os acidentes em nível quatro.

O nível sete da chamada escala INES, de classificação de eventos nucleares, utilizada pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), só ocorreu uma vez no mundo, na catástrofe de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. "Estamos em uma situação diferente da observada ontem. É evidente que estamos em um nível seis, que é um nível intermediário entre o (acidente) que ocorreu na central americana de Three Mile Island (em 1979) e em Chernobyl", afirmou nesta terça o presidente da Autoridade de Segurança Nuclear francesa, André-Claude Lacoste. O nível seis da escala INES significa "acidente grave, com liberação importante de material radioativo que exige a aplicação integral das medidas previstas (como cuidados sanitários e afastamento da população da área atingida)".

'Catástrofe' Na segunda-feira, a ASN francesa havia informado que o acidente na central de Fukushima Daiichi, situada a cerca de 250 km de Tóquio, se situaria entre o nível cinco e seis. "Estamos em uma catástrofe evidente", disse Lacoste nesta terça-feira. A França possui o segundo maior parque nuclear do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, com 19 usinas e 58 reatores que produzem 80% da energia elétrica do país.

As autoridades japonesas haviam classificado no último sábado, após a explosão do reator número 1 da central de Fukushima, o incidente em nível quatro, que representa "acidente, com exposição da população à radioatividade dentro dos limites autorizados". "A liberação de material radioativo é significativa, mesmo que ainda seja difícil medir isso. A situação não tem nada a ver com Chernobyl, mas sabemos que a radiação é importante", disse à BBC Brasil Jerôme Joly, especialista em segurança nuclear do Instituto de Radioproteção e Segurança Nuclear (IRSN) da França, organismo técnico que trabalha em conjunto com a agência nuclear francesa.

A ASN francesa disse à BBC Brasil que não poderia se pronunciar sobre o fato de a agência de segurança nuclear japonesa ainda não ter aumentado o nível de gravidade das explosões em Fukushima, afirmando que as autoridades nipônicas "deverão rever a classificação" e que isso será discutido no âmbito da AIEA. Os especialistas franceses em energia nuclear afirmam que suas conclusões sobre a gravidade da situação em Fukushima são baseadas em informações transmitidas pela agência nuclear japonesa, pela AIEA e por representantes da embaixada da França em Tóquio. Segundo Lacoste, a cápsula de confinamento (que protege o núcleo para evitar contaminações radioativas) do reator número dois de Fukushima, que explodiu nesta terça-feira, no horário local, "não está mais vedada".

CHERNOBYL - Quase 25 anos depois do pior desastre nuclear do mundo, o repórter da BBC Daniel Sandford visitou a usina de Chernobyl, na Ucrânia. Ainda hoje, o acesso à zona de exclusão de 30 quilômetros em volta da usina é proibido, e o cenário é de abandono. Centenas de funcionários trabalham na manutenção do abrigo para o reator onde ocorreu o desastre, mas eles podem ficar apenas duas semanas na região e, então, são substituídos.

O desastre no reator quatro de Chernobyl aconteceu em 26 de abril de 1986. Dezenas de pessoas morreram e outros milhares morreram de câncer - entre eles, soldados enviados para a operação de limpeza. Devido ao risco da radiação, poucas equipes de jornalistas tem permissão para entrar. Os da BBC puderam entrar rapidamente na área contaminada usando roupas especiais e máscaras. A radiação absorvida pela equipe foi monitorada. Os níveis estão mais baixos atualmente, mas dentro da sala do reator que derreteu, o perigo ainda é grande.

Poeira No dia do desastre, os funcionários da sala de controle do reator quatro sabiam que havia algo errado, mas não tinham percebido a grande explosão na sala principal, a dezenas de metros de onde estavam. Atualmente a sala é um lugar escuro, empoeirado, onde ainda é possível ver as mesas e painéis abandonados.

Laurin Dodd, diretor do projeto para construir um abrigo em volta do antigo reator, conta que a situação não parece tão perigosa quando olhada de fora, mas, na sala central, ainda é possível ver grandes buracos. Existem planos ambiciosos e caros para construção de uma nova cobertura para o reator, que faria de Chernobyl um lugar seguro nos próximos cem anos, evitando mais contaminação em caso de desabamento. Na cidade de Pripyat, próxima da usina, 50 mil pessoas fugiram depois do desastre. O lugar ainda está contaminado e abandonado. Andrey Glukhov morava no local e, no dia do acidente, iria operar o reator quatro, mas seu turno foi mudado. "Quando vejo a escola onde meus filhos ficavam, quando vejo os prédios onde meus amigos moravam - alguns deles não estão mais vivos -, é emocionante, é triste", diz Glukhov. Ele ouviu a explosão de seu apartamento, mas ninguém sabia o quanto era sério. A população só foi retirada 36 horas depois.

Three Mile Island EUA -No próximo dia 28 de Março cumprem-se 32 anos do acidente de Three Mile Island (TMI), em Harrisburg, nos EUA. Uma fusão parcial do reator provocou grandes emissões de gases radioactivos para a atmosfera, as quais nunca foram quantificadas, nem analisados os seus efeitos na população. Os efeitos do acidente de Fukushima Daichii, com a situação ainda longe de ser resolvida, superam largamente os de TMI. O acidente de Three Mile Island O reactor TMI-2 sofreu graves danos e uma emissão de gases radioactivos que afectou cerca de 25 mil pessoas. Foi classificado como nível 5 na escala INES. O acidente de TMI começa com uma falha do circuito secundário, que resultou num aumento da temperatura do reactor. Nesse momento, um operador tomou uma decisão errada e introduziu grandes quantidades de água fria no circuito primário de refrigeração, na tentativa de baixar a temperatura. Contudo, esta água ferveu, formando borbulhas de vapor.Além disso produziu-se hidrogénio, tal como em Fukushima, que foi necessário ventilar para evitar uma explosão dentro da contenção. Esta ventilação deu lugar a uma nuvem radioactiva. Não foi possível evitar uma fusão do núcleo e foi necessário lançar água e areia para o seu interior. Ainda que esta sequência de acontecimentos fosse improvável, ela acabou por produzir-se, com efeitos catastróficos.

Situação em Fukushima é muito grave 32 anos depois, o acidente de Fukushima já provocou, pelo menos, uma fusão parcial de três reactores (números 1, 2 e 3) e emissões procedentes da piscina de combustível usado do reactor número 4. As emissões de trítio, iodo e césio já superam - e continuam a aumentar - em várias vezes a magnitude da catástrofe da central norte-americana e, consoante as estimativas, alcançam níveis entre 10% a 50% das emissões de Chernobil (Ucrânia). Hoje foi detectada radioactividade 10 milhões de vezes acima do limite na água junto ao reactor.

A radioatividade medida na água e no leite em mais de três vezes os níveis permitidos, num raio de 40 km da central. Os legumes apresentam concentrações radioactivas cerca de 30 vezes acima do permitido, sendo que nalguns pontos foram encontradas concentrações de césio-137 3 000 vezes acima dos valores permitidos. Isto é grave, dado que a vida média deste isótopo é de 30 anos, o que significa que tardará cerca de 300 anos a desaparecer. Além disso, a situação torna imprescindível o controlo de peixe e moluscos, dado que a água contaminada pela refrigeração dos reactores escoou para o mar. Como se tudo isto fosse pouco, foi detectada contaminação radioativa em cinco estações de tratamento de água em Tóquio e existe a preocupação na Coreia e China de que a nuvem transporte quantidades significativas de radioactividade para estes países. As Nações Unidas consideram que a evolução da situação é imprevisível e que esta crise nuclear deverá prolongar-se por alguns meses. Vários especialistas já classificaram o acidente de Fukushima no nível 7 da INES, o mesmo que Chernobil e o máximo da escala.