terça-feira, 21 de outubro de 2008

Graças a Deus o Brasil não é São Paulo

Graças a Deus o Brasil não é São Paulo !
A “Onda “ Kassab e a classe média paulistana.
Uma Nova Velha História.

“(...) O indivíduo completo é aquele que tem capacidade de entender o mundo, sua situação no mundo e que, se ainda não é cidadão , sabe o que poderiam ser os seus direitos.
É neste sentido que me pergunto se a classe média é formada de cidadãos. Eu digo que não. Em todo caso, no Brasil não o é, porque não é preocupada com direitos, mas com privilégios. O processo de desnaturação da democracia amplia a prerrogativa da classe média, ao preço de impedir a difusão de direitos fundamentais para a totalidade da população. E o fato da classe média gozar de privilégios, não de direitos, que impede aos outros brasileiros ter direitos.É por isso que no Brasil não há cidadãos. Há os que não querem ser cidadãos, que são as classes médias, e há os que não podem ser cidadãos, que são todos os demais, a começar pelos negros que não são cidadãos. Digo-o por ciência própria. (...) “
Milton Santos

De novo a cidade de São Paulo nos presenteia com sua tradição política conservadora.
No momento em que qualquer pessoa minimamente informada e bem intencionada comemora o ‘funeral’ nacional do PFL, agora disfarçado ou travestido de DEM ( Democratas, belo nome pra justamente eles que foram a base de sustentação da Ditadura Fascista de 64) derrotado até na Bahia terra de seu ícone ACM – justamente em São Paulo a maior cidade do Hemisfério Sul vergonhosamente representa a grande esperança de sobrevivência do partido que é a cara do Coronelismo do Sertão, do atraso, dos Generais, da antiga UDN, etc.

Especialmente na cidade de São Paulo esse ‘ideal’ se é que podemos chamá-lo assim , importado de Portugal Medieval, aqui ‘adaptado’ pelos Bandeirantes ( Bandoleiros e Assassinos fundadores da sociedade mais violenta do planeta ) e “aperfeiçoado” pelos Barões do café – ( Jecas Aristocráticos metidos a Europeus que enriqueceram esfolando escravos e imigrantes e condenando o país a um atraso secular)

Este mesmo ‘ideal’ ressurge e sobrevive sistematicamente na cidade de São Paulo,por vezes de forma inacreditável em jovens e em pobres – que se pensam classe média e reproduzem sem saber ou mesmo com convicção – argumentos reeditados de seus avós ou bisavós que outrora votaram em Carlos Lacerda, Jânio, Ademar de Barros e saíram as ruas com “Deus, a Família e etc...” Renasce novamente e de novo se afirma “orgulhosamente’ : avesso à política. Mas são os mesmos de sempre que não perdem uma oportunidade de elegerem Maluf, Collor, Pitta e agora Kassab.

Esta História (ou farsa ?) é monótona em sua estranha fixação de sempre andar para trás.

Como também é monótona a ‘ladainha’ de seus argumentos propagados por pólos de excelência : tipo Revista Veja, Caras, e por aí vai.

Argumentos que sempre objetivam uma única e sagrada garantia : que no final das contas nada mude nem um milímetro !!!

E talvez aí resida a alma desta herança maldita : o Medo !

No fundo parece que esta ‘tacanhice’ crônica nasce mesmo do medo daquilo que não conhecemos ou por profunda ignorância não queremos conhecer.E se há uma coisa que praticamente nunca existiu no Brasil – o país onde a escravidão foi (ou é ??) a instituição mais importante de toda a sua história – essa ‘coisa’ assustadora se chama solidariedade. Daí esse modelo de ‘civilidade’ anti-social onde nossa classe média é especialista e o maior objetivo de votar em Kassab assim como votou em Serra : manter a periferia como sempre esteve (EXCLUÍDA).

Num mundo que cada vez mais se torna analfabeto, o analfabetismo ‘espiritual’ desta cidade chega a impressionar.

A história também mostra o que uma classe média tacanha é capaz.

É claro que exemplo maior é o Nazismo Alemão, onde uma classe média egoísta, ambiciosa, assustada, medrosa e ignorante foi a principal responsável pelo ascensão de Hiltler e seu “ideal” também conservador.

Nossa classe média, penso, é de fato muito parecida. Vemos o preconceito como seu traço principal. Mas, muito mais forte que isso é o seu desejo de receber ordens.( Atualmente Universidades, que já foram centros de excelência, recorrem a reuniões de pais e pedagogia infantil para educar jovens de classe média ‘geração Malhação ou pós Xuxa’) Este grupo parece desejar ardentemente ordens : seja de um deus, de um patrão, de um governo, ou especialmente daquele que ela mais respeita e teme : a mídia.


Como uma criança que não quer crescer , tudo que ela sonha é com um “pai’ autoritário que lhe diga o que é certo e retire o insuportável peso de ter de assumir reponsabilidades assim como fazem as marcas, as ‘tendências” da moda, as ‘griffes’ que tanto são obedecidas.

Essa mesma classe média que cotidianamente nos brinda com exemplos de sua ‘civilidade’ em reuniões de condomínio, clubes, escolas, universidades
e no espaço público em geral, é a mesma que se exprime politicamente agora.
Adestrada em sua profunda despolitização pelos novos sábios do mundo corporativo com os maravilhosos ‘ideais’ arrivistas, egoístas e narcisistas sacralizados pela sua nova religião individualista : a propaganda.

É ela que agora reafirma seu jeito de ser.

Como uma nova tecnologia de celular ou computador, ela agora “embarca” de cabeça na “onda” Kassab.

Assim como, por medo que alguma coisa mudasse, em segundos escolheu e entregou o país nas mãos do Collor em 89 e depois não assumiu sua irresponsabilidade e leviandade. Assim como não satisfeita com Maluf elegeu Pitta e nós todos pagamos esta conta. Assim como daqui alguns dias fará com seu celular.É esta mesmo que ,outra vez rapidamente irá negar ter votado em Kassab, inflar o peito e repetir orgulhosa ; “ Eu odeio política !!’”

Hoje, nossa classe média,eternamente ávida por salvadores da pátria ( Um novo D Sebastião !) engole, assim como faz com seus fast-foods, sem mastigar o novo lançamento do mercado : Kassab !

É impressionante a forma semelhante com isso se dá.

Kassab em menos de um mês ultrapassou Maluf, Alckmin e Marta e desponta como favorito.

Não lembra o Collor? Que saiu do esgoto, como um rato, aparentemente sem apoio e de uma hora pra outra virou um fenômeno eleitoral especialmente em SP ? Estranho né?

Não lembra o Pitta ? Um candidato fabricado na Eucatex. Que era um ninguém e num instante virou também prefeito de São Paulo.

Coincidência?

Aliás Pitta a quem Kassab serviu !

Seria engraçado se não fosse trágico.

Os argumentos parecem ser sempre os mesmos. Quer ver :

1º “Ele” é uma pessoa nova ! Representa mudança !
(seu currículo já era !)
2º “Ele” não atacou ninguém !
( apesar de não ser a verdade, já está santificado)
3º ‘Ele’ está fazendo coisas que outros não fizeram!
(Dá-lhe mentiras e marketing !!)

Aliás deve ser fácil ser marketeiro em SP. É só reproduzir o mesmo discurso e pronto. Assim com nas novelas, no Faustão, no Malhação, no programa da Hebe, no cinema norte-americano que a classe média tanto gosta. Tudo sempre igual ! Haja monotonia !

Ah, mas tem de disfarçar um pouco, como fez o PFL : mudar o nome, o número e a cor do partido e pronto Então, você, assim como prometem os maravilhosos e qualificados programas femininos da TV - se transformará em uma nova pessoa ! Não é fantástico ?

A psicanálise há muito conhece bem estes ‘mecanismos de defesa’, mas para que qualquer neurose seja superada é necessário que o paciente reconheça sua condição. Exatamente o mais difícil pra essa gente, pois exige aquilo que mais lhe falta : personalidade.

Ahh, por falar em personalidade. Cadê os eleitores do PSDB ?? Hein ??
O que aconteceu com o Alckmin ?? Até agora pouco ele não era o frisson de nossa classe média ? O candidato mais maravilhoso. O anti-Lula ! O próximo presidente.

Se com seus ‘aliados’,já na campanha eles fazem assim, imagine com a cidade.

Boa Sorte São Paulo






São Paulo e sua Indignação Seletiva

Parecem ser, no mínimo, interessantes algumas reações acerca das insinuações a respeito da sexualidade do candidato Kassab veiculadas pela campanha da Marta .

Que o campo da pessoalidade não é, ou pelo menos não deveria ser objeto de ataques com fins eleitoreiros ou políticos não se discute, - mas creio que este episódio nos oferece oportunidade especial para perceber como a lógica do preconceito e da maldade opera nesta cidade especialmente, de novo, em nossa classe média. E naqueles, “educados” por ela, que reproduzem seu ponto de vista.

Inacreditável como este grupo tem a capacidade de se indignar de forma seletiva, ou seria cínica?

Esta mesma classe média que agora posa de : “profundamente indignada” e zeloza dos mais altos valores da dignidade humana e defensora dos direitos individuais, não se lembrou de demonstrar nenhuma indignação quando Collor covardemente , da forma mais torpe possível , comprou com alguns trocados uma ex-namorada de Lula para agredi-lo na campanha de 89.

Também nunca demonstrou tais valores sublimes quando, usando do mais maldoso sexismo e racismo atacou Luiza Erundina durante todo o seu mandato na mesma Prefeitura agora em questão. Não lhe perdoando por ser, ao mesmo tempo : - Mulher, Nordestina e Socialista.

Engraçado não ?

Assim como, reproduzindo seu “Guru” preferido Maluf, - atacou sempre a mesma Marta – ( “ A Dona Marta do PT” ) também por sua condição de mulher, que possui personalidade, envolvida com questões sociais e com mais um agravante : separada do marido.

São inúmeras as passagens em que, estes mesmos agora ‘indignados’ com o que houve com Kassab, se deleitaram e ainda agora continuam com ofensas, agressões e calúnias que rebaixam a moral, a dignidade,a auto-estima e a humanidade de muita gente. É só prestar atenção nas conversas cotidianas em nossa cidade.


É claro que um erro não justifica sua continuação, mas tal ‘seletividade’ que é no mínimo surreal, nos faz pensar na capacidade de adaptação que possui esta lógica de preconceito e cinismo - mas é muito interessante assistirmos agora esta classe média – que é “Pós-Graduada” em preconceito ficar revoltada e indignada por seu candidato ter sido alvo de maldade.

Ela mesma que alegava ter votado em Collor por – ‘elle’ - falar vários idiomas e assim ter mais condição de representar bem o Brasil frente aos gringos – contra o ‘analfabeto’ Lula - - A mesma que ‘ baba o ovo’ de Maluf por ele ser Engenheiro – ou seja por possuir um título- aliás historicamente neste país – até bem pouco tempo, privilégio de filhos bem criados de aristocratas que podiam estudar em Coimbra, Sorbonne, etc – título que muitas vezes se converteu no imaginário popular como uma espécie de salvo conduto para vigarice.

Talvez este raciocínio, pra essa gente - não se encaixe nos inúmeros bandidos de colarinho branco , muito bem diplomados – como Daniel Dantas, Lalau, Collor, Maluf, Naji Nahas e Pitta, - amigos íntimos você sabe muito bem de quem.
Todos diplomados com títulos acadêmicos, mas conhecidos menos por seus títulos do que por suas fichas corridas e – apesar de não mais algemados – também por suas constantes aparições em capas de páginas policiais.

Apesar de grotesco isto tudo não é novo, - por exemplo no final do Séc. XVIII no Haiti, as notícias da chegada das transformações revolucionárias ocorridas na França, onde se falava em - “Igualdade, Liberdade e Fraternidade” - não representaram absolutamente nenhuma concessão aos centenas de milhares de escravos que ali davam suas vidas para o enriquecimento da burguesia francesa.

È impressionante como é possível um ser humano se indignar assim seletivamente.

Da mesma forma que alguns estrangeiros estranham e não entendem como nós brasileiros nos acostumamos com nossa miséria e com a situação social mais injusta do planeta e condenamos nossos milhões de miseráveis a ’invisibilidade social’, - os franceses do Séc XVIII também conseguiram conviver ao mesmo tempo com os tão belos e ‘iluminados’ ideais de “Igualdade, Liberdade e Fraternidade” sem tocar na questão da propriedade e assim manter suas ‘propriedades’,ou “peças” como se chamavam por aqui os escravos, intocados em seu flagelo.

Parece que muita gente em São Paulo faz o mesmo. Fica ‘indignada’ quando lhe convém.

Parece também, que de forma surreal e sádica o maior preconceito que há no Brasil : a pobreza, - é justamente aquele que é mais pesadamente condenado a maior invisibilidade.

Apesar das festejadas e hipócritas ‘permissões’ que esta sociedade conservadora parece conceder agora - por exemplo permitindo maior visibilidade aos homossexuais, - há a inegável permanência daquilo que lhe é verdadeiramente “sagrado” e intocável : a manutenção da injustiça social e a exclusão de milhões.
Isso sim é sensível. E, de verdade o que realmente incomoda a eles nesta eleição.

Pensando ainda o caso do percurso feito pelos homossexuais, especialmente em São Paulo, - lugar das maiores manifestações públicas deste grupo, - parece ser bastante significativo como a lógica do preconceito opera e apesar de se revestir de ‘moderno’ mantém com uma tranqüilidade, quase que total, - sua capacidade de resistir fazendo como sempre fez : isolando o particular do geral, alienando uma coisa da outra para melhor administrar e confundir - e assim manter as mudanças – quase sempre cosméticas - sob seu controle.

Assim, se pensarmos no teor que movimentaram ações públicas de grupos imensamente numerosos nesta cidade nas últimas décadas, vamos ver uma nítida predominância de dois grandes grupos : Gays e Evangélicos.

São eles e ninguém mais que conseguem, seja lá por quais razões, movimentarem milhões de adeptos em suas manifestações.

O que eles parecem ter em comum ?

Aparentemente, nada certo ? Errado.

Chega a ser engraçado, em alguns momentos, as semelhanças dos discursos.

Tanto os gays quanto os evangélicos, - especialmente pentecostais, - parecem ter uma fixação muito clara em seus discursos : a questão do consumo.

Num país com, ainda, milhões de miseráveis, completamente excluídos de qualquer acesso a algo que não seja sua sobrevivência - é no mínimo estranho que tanta gente não perceba o tamanho desta contradição.

Não há uma só declaração destes grupos onde o consumismo como valor supremo não fique patente.

Para uns, a manifestação é claramente uma celebração de um tipo de fé específico – assim como são as marcas de roupa, de automóveis ou de celulares – Fé que possui o poder de tornar seus discípulos ‘escolhidos’ e assim aptos a entrarem no maravilhoso reino..... dos céus ? - Não..... - no reino do consumo.

- “Com Jesus de fiador poderei comprar, possuir, ter, realizar negócios, etc”

Se tornar fiel parece ser pressuposto para a obtenção de um nível de consumo e os programas da TV mostram as realizações divinas através das marcas de sucesso num grande pastiche de espiritualidade misturada com aumento do poder aquisitivo, gente com roupa bonita, carros de luxo, champagne , etc . Tudo sob as bênçãos de um Jesus que – por vezes mais parece um ótimo corretor de valores.

Enquanto isso o outro grupo também parece definir de forma absoluta a condição homossexual como, também prioritariamente sinônimo de consumo.

Toda parada gay, ano após ano - monotonamente nos entope de declarações por toda a mídia :

“O Gay é um consumidor, vai trazer não sei quantos milhares de dólares pra São Paulo, vão lotar os hotéis, vão encher os bares, blá, blá, bla, ...”

Aparentemente pedindo ‘desculpas ‘ por ocupar o espaço público, os gays parecem necessitar ‘agradar’ os que realmente mandam e assim – consciente ou inconsciente ? – Reproduzem seu maior ‘valor’ de classe : o ódio aos pobres sugerindo implicitamente, que os gays são fundamentalmente diferente dos pobres.

Parece que nos dois grupos o slogan subtextual que revela o valor fundamental dos movimentos é : “Seja gay ou evangélico e torne-se um consumidor.”

E é exatamente aí, a meu ver, que reside o centro da questão

Parece que, infelizmente, por baixo de uma grande capa de hipocrisia há uma forte gritaria de reforço aos piores ‘tesouros’ herdados de séculos de história de nossa tão presente barbárie social. Aparentemente o que vemos é o mais nojento e secular preconceito colonial resistindo ao longo dos tempos – e ao invés de, este sim, causar indignação : causa euforia em nossos ‘descolados’ e ‘modernos’ membros das novas tendências.

Infelizmente na nossa Democracia ainda parece sobreviver, mais vivo que nunca, o “curto-circuito” que falava Florestan Fernandes e cristalizado o espírito do escravismo colonial tão bem descrito por Jacob Gorender.

No imaginário delirante e decadente da classe média paulistana e de seus deslumbrados serviçais agregados – a indignação passa obrigatoriamente por um filtro bem estreito. Filtro obviamente muito bem construído diariamente por seus catecismos oficiais : Revista Veja, Globo, Caras, etc. Fiéis guardiões da mais sagrada instituição : a manutenção do Status Quo.

Engraçado, ainda, que este mesmo grupo – que agora se mostra tão cheio de valores elevados - não perde uma única oportunidade de demonstrar seu ódio as políticas sociais. Usando de argumentos que - por vezes - fariam Hitler se sentir representado - eles nos inundam com sua resistência a qualquer ação para assistir os milhões de miseráveis que eles mesmo ajudaram a criar. Repetindo sempre os mesmos argumentos tacanhos e idiotas de apontar os excluídos e super explorados como únicos culpados de sua situação de miséria social e política fazendo todo o possível para desmontar qualquer ação que leve a alguma transformação disto.

Essa mesma gente se esquece que, assim como fez Roosevelt no New Deal- e por imensa ironia - agora Bush - quando um país preserva e aumenta o poder de consumo de sua população com um todo - todos ganham e ao contrário – como sonham nossos ‘iluminados’ ao manter milhões de super explorados e excluídos quem perdem não são só eles.

Ahh, mas isso não acontece por aqui. Não é mesmo ?

Aqui - Nós ficamos indignados, - mas sempre nos contentamos com pouco !!