sábado, 28 de agosto de 2010

‘O Brasil é um país que discrimina o tempo todo‘.Pluriculturalismo e intolerância - Entrevista Profa. Laura de Melllo e Souza

Intolerância é legado colonial, afirma Laura de Mello e Souza
entrevista Folha de S.Paulo(20/3/2000)

Para a pesquisadora da USP, o pluriculturalismo é trunfo do Brasil para o próximo século, uma vez que os países europeus não convivem bem com o tema da mestiçagem

Nome: Laura de Mello e Souza
Cargo: professora de história moderna na USP
Especialidade: Minas Gerais no século 18
Livros: "Desclassificados do ouro" (Graal,1982), "O Diabo e a Terra de Santa Cruz" (Companhia das Letras, 1986), "Inferno Atlântico" (Companhia das Letras, 1993), História da Vida Privada no Brasil" (organizadora do vol. 1, Companhia das Letras, 1997) e "Norma e Conflito" (Editora UFMG, 1999)
MARCOS FLAMÍNIO PERES da Redação



O Brasil completa 500 anos desde o Descobrimento com dois legados opostos da colonização: o pluriculturalismo e a intolerância. É o que afirma Laura de Mello e Souza, professora de história moderna da Universidade de São Paulo e especialista na sociedade mineira do século 18.
Para a historiadora, o pluriculturalismo é um trunfo de que poucas nações podem se gabar de possuir hoje. Sua origem está na mistura entre culturas e etnias tão díspares que marcaram o passado colonial do Brasil. Por outro lado, a colonização também nos legou um ‘vício de origem‘, que é a intolerância: ‘O Brasil é um país que discrimina o tempo todo‘.
Em entrevista à Folha, a historiadora fala também da importância da ‘história das mentalidades‘ para rever interpretações consagradas do Brasil, como as de Gilberto Freyre e Caio Prado Jr. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.



Folha - Faz sentido comemorar os 500 anos do Descobrimento?

Laura de Mello e Souza - Há aspectos importantes a comemorar, mas também um legado horrível, que é formado por tudo o que não fizemos e que nos deixa angustiados. Passados 500 anos, ainda mantemos uma estrutura iníqua, que tem a ver com a forma como se processou a colonização. Mas não é só isso. Somos responsáveis pelos nossos atos. De fato, é um preço muito alto que se pagou pela escravidão. Mas faz mais de cem anos que ela foi abolida e ainda não conseguimos resolver a questão da desigualdade.

O Brasil tem um cacife importante para entrar no século 21: o pluriculturalismo, que será uma realidade do próximo século. E países europeus, como a França, têm dificuldade em conviver com ele. O Brasil, porém, não é uma democracia racial. É um país desigual. Mas somos um país mestiço, e isso é importante. Mestiçagem não só étnica, mas cultural.





Folha - De que modo a ‘história das mentalidades‘ pode contribuir para uma nova interpretação do Brasil?

Mello e Souza - Ela é um instrumento de análise muito importante, por mostrar por que certos padrões de comportamento permanecem. Um desses traços é a intolerância. O Império português foi feito de tolerância e intolerância. O Brasil não é apenas uma democracia racial, como dizia Gilberto Freyre, mas um país que discrimina o tempo todo.





Folha - Os limites tênues entre ordem e desordem são um traço constitutivo do Brasil?

Mello e Souza - Acho que sim. Essa é uma das características mais marcantes de nossa história: como é que migramos imperceptivelmente da norma para a negação da ordem e da ordem para o conflito. Isso tem a ver com as fronteiras entre público e privado.





Folha - Essa indistinção entre ordem e desordem explicaria a figura do ‘malandro‘?

Mello e Souza - A malandragem sempre foi algo mais ideológico do que real. Existe no Brasil uma ideologia da vadiagem, que foi construída de cima para baixo e significa uma total intolerância e incapacidade para entender o povo brasileiro. Seja pela recusa da mestiçagem, das formas alternativas de trabalho, pela recusa de culturas diferentes da européia, tudo acabou sendo colocado no bolsão que se chamou vadiagem.





Folha - Como se desenvolveu a resistência à opressão da norma do colonizador português?

Mello e Souza - De várias formas, desde a violência até a malandragem, mas a ‘boa‘ malandragem. Os escravos frequentemente driblavam a repressão e inventavam uma forma malandra, no bom sentido, de conviver com a escravidão. Pode-se conseguir, com esperteza, enfrentar a ordem em situações desvantajosas.

O que mais assusta, porém, é que a sociedade brasileira seja uma sociedade violenta, de uma violência que nem sempre é aparente. Uma sociedade dessa natureza pode ser negada desde a forma mais radical, que é pelo enfrentamento, até pelo estratagema. Isso acontece o tempo todo.





Folha - Diferentemente dos EUA, a colonização do Brasil se deu pela presença quase só de homens. Mulher e filhos ficavam em Portugal. Como isso influenciou a formação do país?

Mello e Souza - A ausência da mulher no Brasil Colônia é uma questão mal colocada. De fato, muitas famílias se constituíam, com negras, índias, com o que havia. Uma das famílias mais ilustres da Colônia, a Cavalcante, descende de uma índia.

Mas há o lado oposto dessa questão, que tem a ver com a negação da mestiçagem. Como havia pouca mulher branca, as uniões que se fizeram foram ilícitas. Em nosso inconsciente, gostaríamos todos de descender de famílias brancas. E o fato é que não descendemos. As famílias paulistas ilustres pretendiam descender de princesas indígenas, e mesmo quem tinha sinais evidentes de mestiçagem negava a ascendência escrava e enaltecia a indígena.





Folha - A tensão entre barbárie e civilização é um fardo que o Brasil carrega em sua história?

Mello e Souza - Sim, sobretudo porque em grande parte as elites assumiram esse caráter. A vertigem do Brasil é que a barbárie pode engolir a civilização. A idéia de que o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão é sempre posta, recriada pelas elites, que negam suas origens. Poucos países têm uma elite tão predadora como a brasileira. Não adianta dizer que são os outros. A elite somos nós. E vamos entrar no século 21 com essa questão em aberto.





Folha - Mas com a possibilidade de ser resolvida?

Mello e Souza - Acho que sim. Caso contrário, nada terá tido sentido. Mas depende de um esforço muito grande. Eu acho que o ensinamento de Gilberto Freyre é o de que a mestiçagem é um valor, um acervo cultural. Há vários campos em que a cultura brasileira é criativa. Não é que o povo seja ruim e o país, bom. O povo é bom, mas os que fazem o país -os que lêem, escrevem, e não me refiro apenas à elite econômica- não têm feito o que podem.





Folha - Por que a sra. diz em ‘Norma e Conflito‘ que a ‘elipse‘ -um modo de nunca nomear diretamente os problemas- é um traço da constituição mental brasileira?

Mello e Souza - Acho que a gente não enfrenta as coisas, tanto para o bem quanto para o mal. No mundo hispânico, me parece que os embates são muito mais abertos, enquanto, no mundo lusitano, são sempre meio "na maciota". Há uma dificuldade de enfrentamento que é típica dessa cultura. Temos essa tradição de coisas não ditas, de meios-tons.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

África -Textos base p/ 3os - Milton Santos- José Arbex -Francisco Aires Afonso Filho

Ser negro no Brasil hoje

Ética enviesada da sociedade branca desvia enfrentamento do problema negro

Milton Santos
Fonte :
http://www.ige.unicamp.br/~lmelgaco/santos.htm







Há uma frequente indagação sobre como é ser negro em outros lugares, forma de perguntar, também, se isso é diferente de ser negro no Brasil. As peripécias da vida levaram-nos a viver em quatro continentes, Europa, Américas, África e Ásia, seja como quase transeunte, isto é, conferencista, seja como orador, na qualidade de professor e pesquisador. Desse modo, tivemos a experiência de ser negro em diversos países e de constatar algumas das manifestações dos choques culturais correspondentes. Cada uma dessas vivências foi diferente de qualquer outra, e todas elas diversas da própria experiência brasileira. As realidades não são as mesmas. Aqui, o fato de que o trabalho do negro tenha sido, desde os inícios da história econômica, essencial à manutenção do bem-estar das classes dominantes deu-lhe um papel central na gestação e perpetuação de uma ética conservadora e desigualitária. Os interesses cristalizados produziram convicções escravocratas arraigadas e mantêm estereótipos que ultrapassam os limites do simbólico e têm incidência sobre os demais aspectos das relações sociais. Por isso, talvez ironicamente, a ascensão, por menor que seja, dos negros na escala social sempre deu lugar a expressões veladas ou ostensivas de ressentimentos (paradoxalmente contra as vítimas). Ao mesmo tempo, a opinião pública foi, por cinco séculos, treinada para desdenhar e, mesmo, não tolerar manifestações de inconformidade, vistas como um injustificável complexo de inferioridade, já que o Brasil, segundo a doutrina oficial, jamais acolhera nenhuma forma de discriminação ou preconceito.

500 anos de culpa

Agora, chega o ano 2000 e a necessidade de celebrar conjuntamente a construção unitária da nação. Então é ao menos preciso renovar o discurso nacional racialista. Moral da história: 500 anos de culpa, 1 ano de desculpa. Mas as desculpas vêm apenas de um ator histórico do jogo do poder, a Igreja Católica! O próprio presidente da República considera-se quitado porque nomeou um bravo general negro para a sua Casa Militar e uma notável mulher negra para a sua Casa Cultural. Ele se esqueceu de que falta nomear todos os negros para a grande Casa Brasileira. Por enquanto, para o ministro da Educação, basta que continuem a frequentar as piores escolas e, para o ministro da Justiça, é suficiente manter reservas negras como se criam reservas indígenas. A questão não é tratada eticamente. Faltam muitas coisas para ultrapassar o palavrório retórico e os gestos cerimoniais e alcançar uma ação política consequente. Ou os negros deverão esperar mais outro século para obter o direito a uma participação plena na vida nacional? Que outras reflexões podem ser feitas, quando se aproxima o aniversário da Abolição da Escravatura, uma dessas datas nas quais os negros brasileiros são autorizados a fazer, de forma pública, mas quase solitária, sua catarse anual?

Hipocrisia permanente

No caso do Brasil, a marca predominante é a ambivalência com que a sociedade branca dominante reage, quando o tema é a existência, no país, de um problema negro. Essa equivocação é, também, duplicidade e pode ser resumida no pensamento de autores como Florestan Fernandes e Octavio Ianni, para quem, entre nós, feio não é ter preconceito de cor, mas manifestá-lo. Desse modo, toda discussão ou enfrentamento do problema torna-se uma situação escorregadia, sobretudo quando o problema social e moral é substituído por referências ao dicionário. Veja-se o tempo politicamente jogado fora nas discussões semânticas sobre o que é preconceito, discriminação, racismo e quejandos, com os inevitáveis apelos à comparação com os norte-americanos e europeus. Às vezes, até parece que o essencial é fugir à questão verdadeira: ser negro no Brasil o que é? Talvez seja esse um dos traços marcantes dessa problemática: a hipocrisia permanente, resultado de uma ordem racial cuja definição é, desde a base, viciada. Ser negro no Brasil é frequentemente ser objeto de um olhar vesgo e ambíguo. Essa ambiguidade marca a convivência cotidiana, influi sobre o debate acadêmico e o discurso individualmente repetido é, também, utilizado por governos, partidos e instituições. Tais refrões cansativos tornam-se irritantes, sobretudo para os que nele se encontram como parte ativa, não apenas como testemunha. Há, sempre, o risco de cair na armadilha da emoção desbragada e não tratar do assunto de maneira adequada e sistêmica.

Marcas visíveis

Que fazer? Cremos que a discussão desse problema poderia partir de três dados de base: a corporeidade, a individualidade e a cidadania. A corporeidade implica dados objetivos, ainda que sua interpretação possa ser subjetiva; a individualidade inclui dados subjetivos, ainda que possa ser discutida objetivamente. Com a verdadeira cidadania, cada qual é o igual de todos os outros e a força do indivíduo, seja ele quem for, iguala-se à força do Estado ou de outra qualquer forma de poder: a cidadania define-se teoricamente por franquias políticas, de que se pode efetivamente dispor, acima e além da corporeidade e da individualidade, mas, na prática brasileira, ela se exerce em função da posição relativa de cada um na esfera social.

Costuma-se dizer que uma diferença entre os Estados Unidos e o Brasil é que lá existe uma linha de cor e aqui não. Em si mesma, essa distinção é pouco mais do que alegórica, pois não podemos aqui inventar essa famosa linha de cor. Mas a verdade é que, no caso brasileiro, o corpo da pessoa também se impõe como uma marca visível e é frequente privilegiar a aparência como condição primeira de objetivação e de julgamento, criando uma linha demarcatória, que identifica e separa, a despeito das pretensões de individualidade e de cidadania do outro. Então, a própria subjetividade e a dos demais esbarram no dado ostensivo da corporeidade cuja avaliação, no entanto, é preconceituosa.

A individualidade é uma conquista demorada e sofrida, formada de heranças e aquisições culturais, de atitudes aprendidas e inventadas e de formas de agir e de reagir, uma construção que, ao mesmo tempo, é social, emocional e intelectual, mas constitui um patrimônio privado, cujo valor intrínseco não muda a avaliação extrínseca, nem a valoração objetiva da pessoa, diante de outro olhar. No Brasil, onde a cidadania é, geralmente, mutilada, o caso dos negros é emblemático. Os interesses cristalizados, que produziram convicções escravocratas arraigadas, mantêm os estereótipos, que não ficam no limite do simbólico, incidindo sobre os demais aspectos das relações sociais. Na esfera pública, o corpo acaba por ter um peso maior do que o espírito na formação da socialidade e da sociabilidade.

Peço desculpas pela deriva autobiográfica. Mas quantas vezes tive, sobretudo neste ano de comemorações, de vigorosamente recusar a participação em atos públicos e programas de mídia ao sentir que o objetivo do produtor de eventos era a utilização do meu corpo como negro -imagem fácil- e não as minhas aquisições intelectuais, após uma vida longa e produtiva. Sem dúvida, o homem é o seu corpo, a sua consciência, a sua socialidade, o que inclui sua cidadania. Mas a conquista, por cada um, da consciência não suprime a realidade social de seu corpo nem lhe amplia a efetividade da cidadania. Talvez seja essa uma das razões pelas quais, no Brasil, o debate sobre os negros é prisioneiro de uma ética enviesada. E esta seria mais uma manifestação da ambiguidade a que já nos referimos, cuja primeira consequência é esvaziar o debate de sua gravidade e de seu conteúdo nacional.

Olhar enviesado

Enfrentar a questão seria, então, em primeiro lugar, criar a possibilidade de reequacioná-la diante da opinião, e aqui entra o papel da escola e, também, certamente, muito mais, o papel frequentemente negativo da mídia, conduzida a tudo transformar em "faits-divers", em lugar de aprofundar as análises. A coisa fica pior com a preferência atual pelos chamados temas de comportamento, o que limita, ainda mais, o enfrentamento do tema no seu âmago. E há, também, a displicência deliberada dos governos e partidos, no geral desinteressados do problema, tratado muito mais em termos eleitorais que propriamente em termos políticos. Desse modo, o assunto é empurrado para um amanhã que nunca chega.

Ser negro no Brasil é, pois, com frequência, ser objeto de um olhar enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar predeterminado, lá em baixo, para os negros e assim tranquilamente se comporta. Logo, tanto é incômodo haver permanecido na base da pirâmide social quanto haver "subido na vida".

Pode-se dizer, como fazem os que se deliciam com jogos de palavras, que aqui não há racismo (à moda sul-africana ou americana) ou preconceito ou discriminação, mas não se pode esconder que há diferenças sociais e econômicas estruturais e seculares, para as quais não se buscam remédios. A naturalidade com que os responsáveis encaram tais situações é indecente, mas raramente é adjetivada dessa maneira. Trata-se, na realidade, de uma forma do apartheid à brasileira, contra a qual é urgente reagir se realmente desejamos integrar a sociedade brasileira de modo que, num futuro próximo, ser negro no Brasil seja, também, ser plenamente brasileiro no Brasil.

Artigo escrito por Milton Santos, geógrafo, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP



Fonte: Folha de S.Paulo - Mais - brasil 501 d.c. - 07 de maio de 2000

“Nova” África, velho império




O “continente esquecido” reclama, aparentemente, o seu lugar no mundo: a África do Sul patrocinou, em julho, a sessão inaugural da Assembléia da União Africana (UA), realizada em Durban. O programa da UA é ambicioso: colocar em funcionamento um Conselho de Paz e Segurança (composto por cinco membros eleitos por três anos e outros dez com mandatos de dois anos), com poderes para intervir em guerras étnicas, com um claro mandato de evitar episódios de genocídio; promover o desenvolvimento dos países associados, com recursos do Nepad (Nova Parceria para o Desenvolvimento Africano, um programa de financiamento econômico coordenado pela África do Sul, Nigéria, Egito e Argélia, e apoiado pelas potências mundiais); estimular o processo de formação de “regimes democráticos” (a realização de eleições livres e regulares é condição para a participação na UA).

Trata-se, portanto, de um novo programa “pan-africano”, que parte do princípio retórico de que os Estados africanos compartilham determinados interesses comuns, assim como marcham rumo ao mesmo destino. Aqui já começam os problemas. A concepção de uma “unidade africana” é perigosa e potencialmente reacionária, caso tenha como pressuposto básico a idéia da África unida por uma suposta identidade racial (para não falar das distinções regionais, como aquelas que separam, por exemplo, a África subsaariana dos países do norte do continente, muito mais vinculados à cultura e à geopolítica do Oriente Médio). Como diz o filósofo Kwame Anthony Appiah:

“Em 26 de julho de 1860, Alexander Crummel, afro-americano de nascimento, liberiano por adoção e padre episcopal com formação na Universidade de Cambridge, discursou para os cidadãos de um condado de Maryland, Cape Palmas. (…) No cerne da visão de Crummell há um conceito norteador: a raça. A ‘África’ de Crummell é a pátria da raça negra, e seu direito de agir dentro dela, falar por ela e arquitetar seu futuro decorria – na concepção do autor – do fato de ele também ser negro. Mais do que isso, Crummell sustentava que havia um destino comum para os povos da África – pelo que devemos sempre entender o povo negro –, não porque eles partilhassem de uma ecologia comum, nem porque tivessem uma experiência histórica comum ou enfrentassem uma ameaça comum da Europa oriental, mas por pertencerem a essa única raça.” (Na Casa de Meu Pai - a África na Filosofia da Cultura, Contraponto, 1997.)

Foram impostas fronteiras

A ideologia da África como “pátria negra” corresponde, no melhor dos casos, a um compreensível porém equivocado anseio de resposta ao racismo (equivocado, por pretender encontrar na suposta identidade racial negra a resposta ao preconceito alimentado por uma outra suposta raça branca); no pior, obscurece as inúmeras fontes de tensão étnica e geopolítica que foram deixadas pelo colonialismo europeu, procurando preservar a dominação das elites que foram beneficiadas por esse mesmo colonialismo.

Explicando um pouco melhor: as atuais fronteiras entre os Estados africanos não foram o resultado de um processo histórico e cultural construído livremente pelos povos da própria África, mas foram impostas pela Conferência de Berlim, realizada em 1885 (participaram representantes de quinze países europeus, além dos Estados Unidos). A Grã-Bretanha e a França tornaram-se as potências coloniais dominantes. Os britânicos dominaram uma vasta região ao leste da África, do Egito até a União Sul-Africana (atual África do Sul). Os franceses concentraram as suas colônias no Magreb e na África ocidental e na equatorial. Alemanha, Portugal, Espanha e Itália ocuparam territórios marginais. O Congo, no centro do continente, tornou-se colônia privada do rei Leopoldo, da Bélgica.

Esse processo de colonização desenfreada criou a atual cartografia política da África, cruel e arbitrariamente separando povos em Estados distintos, unindo no mesmo Estado povos distintos. Os Estados africanos independentes, que surgiram no pós-guerra, herdaram as linhas de limites traçadas pelas potências européias.

“Elites” contra as nações da África

Em outros termos, a base e a “ossatura” dos novos Estados africanos foram constituídas, quase sempre, pelo aparelho administrativo criado pela colonização européia. No momento das independências, o poder político e militar transferiu-se das antigas metrópoles para as elites nativas urbanas, que instalaram regimes autoritários. Muitas vezes, essas elites representavam apenas um dos grupos étnicos do país, marginalizando por completo as etnias rivais. Dito de outra maneira: as elites africanas falam inglês, francês, português e árabe, ao passo que existem pelo menos quatrocentos idiomas falados por povos completamente marginalizados da esfera do poder e do consumo.

A ideologia da “África negra” obscurece essa divisão e cria a sensação de uma “identidade de motivos e destinos” na qual não há identidade alguma. Não por acaso, a ideologia pan-africana serviu para sustentar a formação, em 1963, da Organização da Unidade Africana (OUA). Criada para “promover a cooperação e segurança continental”, a OUA tornou-se palco da Guerra Fria na África, alimentando o oposto daquilo que pretendia: a fragmentação geopolítica subordinada aos interesses de Moscou e Washington.

Mas a OUA serviu para consolidar as fronteiras herdadas do colonialismo e o poder das elites beneficiárias. Ao custo, é claro, de rios de sangue criados por conflitos políticos, étnicos, sociais e econômicos. A artificial “estabilidade” das fronteiras assegurada pelos mecanismos da Guerra Fria acabou nos anos 90, quando explodiram novas guerras sangrentas, especialmente ao sul (Congo, Gana, Uganda, Ruanda, Botsuana, Senegal e África do Sul).

Guerras por diamantes e cobalto

A guerra entre os grupos hutus e tutsis de Ruanda e Burundi, de abril de 1994 a maio de 1997, matou pelo menos 1 milhão de seres humanos, além de deixar centenas de milhares em miseráveis campos de refugiados. Depois, a Guerra do Congo (ex-Zaire) ceifou a vida de pelo menos 3 milhões de seres humanos, só terminando graças ao assassinato de Laurent Kabila, em janeiro de 2001. Kabila (que rebatizou o Zaire como República Democrática do Congo) chefiou um regime sangrento e corrupto, a partir de 1997, quando derrubou o ditador Mobutu Sese Seko, instalado no poder pela CIA, em 1965. Ruanda e Uganda uniram forças para derrubar Kabila, apoiado por Angola, Zimbábue e Namíbia. Joseph Kabila, filho de Laurent, assumiu o poder no Congo e assinou a paz, em julho, sob o patrocínio da África do Sul.

Fortes interesses econômicos, no caso, ajudam a explicar tanto a deflagração dos conflitos como o processo de paz. A região é riquíssima em diamante, cobalto e outros recursos naturais, além de oferecer uma paisagem belíssima para a indústria do turismo. Vamos ser um pouco mais específicos: segundo afirmam, por exemplo, os especialistas em mercado de diamantes, as zonas de guerra na África respondem por 10 a 15 por cento da oferta mundial do produto. Em 1999, o conglomerado sul-africano De Beers, que controla dois terços dos diamantes brutos do mundo, teve um recorde de vendas de mais de 5 bilhões de dólares (mais da metade desse total foi negociado nos Estados Unidos).

“Pacificação”: Clinton na África

É óbvio que, em determinados contextos, a guerra pode deixar de ser um negócio interessante para o capitalismo, que eventualmente precisa de uma certa “estabilização” regional para tocar os negócios. Não por acaso, em março de 1998, o então presidente Bill Clinton fez uma viagem de onze dias a seis países da África subsaariana (Gana, Uganda, Ruanda, Botsuana, Senegal e África do Sul). Foi a maior já feita ao continente por um presidente americano. Na ocasião, ele se declarou “satisfeito” com o surgimento de uma “nova geração” de líderes “democráticos”, que estavam ajudando os seus países a construir uma “economia vibrante” e “cheia de esperança”. Nelson Mandela, presidente da África do Sul, deu total apoio à visita, apresentando-se como principal interlocutor da Casa Branca no continente (Clinton manteve no país sua estada mais longa, de três dias). Quatro anos depois, a África do Sul apresenta-se como principal articuladora da União Africana: Thabo Mbeki, atual chefe de Estado sul-africano, foi escolhido presidente da UA.

A formação da atual UA nada tem a ver, em princípio, com o programa antiimperialista de um Jomo Keniata ou de um Patrice Lumumba. Tem a ver, ao contrário, com uma “integração econômica” promovida diretamente por interesses do capital internacional. Mas é claro, também, que se trata de um processo contraditório, potencialmente explosivo. O líbio Muammar Kadhafi, por exemplo, contesta a liderança da África do Sul, e propõe a formação de um “exército africano”. Delírio? Pode ser. Mas os “delírios” também fazem parte da luta política, ainda mais em um continente massacrado por sucessivas ondas coloniais. A África ainda será coberta por novos rios de sangue, até saldar as contas com esse terrível legado.

José Arbex Jr.

http://carosamigos.terra.com.br/da_revista/edicoes/ed66/jose_arbexjr.asp
Universidade de Brasília – UnB Faculdade de Educação Departamento de Teoria e Fundamentos Área de Multiculturalismo, Simbolismo e Identidade na Educação - Realização: Faculdade de Educação – UnB, Núcleo de Estudos


Afro- Brasileiros – CEM e Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Desenvolvimento – MEC EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO – RACIAIS

Afro - Brasileiros: Todos Nós (?!) Francisco Aires Afonso Filho - Brasília, dezembro de 2004.

INTRODUÇÃO

O objetivo principal do presente artigo é ter uma visão histórica da construção social do Brasil a partir da colonização e utilização da mão de obra escrava: primeiro do africano escravizado e depois dos nativos da terra. Porém o foco principal é explicitar que o africano e seus descendentes não ficaram inertes na diáspora, terra brasilis . Contribuíram e muito para a formação do nosso povo, da nossa identidade, da nossa cultura, da nossa religiosidades e embora trazidos como escravos, se tornaram brasileiros, afrobrasileiros e fizeram com que os seus senhores europeus e eurodescendentes se africanizassem no falar, no comer , no folguear e no africanizar as gerações que mais tarde seriam conhecidas como brasileiras . Quem são os afro-brasileiros ? É um questão que pretendemos responder .

I – Africanos no Brasil

A influencia do africano em terras brasileira, possivelmente se deu desde a sua descoberta, uma vez que o tráfico negreiro começara em Portugal por volta de 1.444, com a fundação da Companhia de Lagos , intensificando-se a tal ponto que em 1530, estima-se que dez a doze mil africanos entravam anualmente o Tejo, rumo à Lisboa. Com a colonização do Brasil, automatcamente a presença africana já era de se notar, mesmo que não fosse expressiva. O tráfico luso-brasileiro e mais tarde o brasileiro fizeram com que aqui chegassem africanos de diversas procedências .

Pode-se dividir os africanos importados para o Brasil em duas grandes categorias, segundo as suas procedências: sudaneses e bantos .

Sudaneses – Oriundos do Niger (África Ocidental) – trazidos principalmente para a Bahia e utilizados na lavoura. Suas principais etnias eram: os nagôs ( iorubás) os jejes (ewes) os

minas ( this e gás ) , os haus sás , os galinhas (grúncis) , os tapas ,os boirnuns , etc.

Bantos - Oriundos de Angola, Congo, Moçambique e Cambinda (Sul da África) vieram para o Maranhão, Pernambuco, Rio de Janeiro e em menor escala para Alagoas , litoral do Pará, Minas

Gerais e São Paulo. As suas etnias eram: angolas , benguelas ,moçambiques , macaus , congos , etc. Para a Bahia também vieram muitos bantos .Também não se pode esquecer das minorias fulas e mandês (malês ) carregados de forte influências muçulmanas , responsáveis por vários levantes , como a Revolt a dos Malês em 1835.

O tráfico durou 350 anos até, que sob pressão da Inglaterra foi promulgada a Lei Eusébio de Queiroz em 1850, proibindo o tráfico escravagista. Até então, já tinham vindo para o Brasil em torno de 3.600.000 africanos , não se tendo controle a partir de então devido ao tráfico ilícito, pois era mais uma lei para “inglês ver”. Estima-se um total de 4.000.000 de africanos trazidos para o

Brasil . O que se sabe por certo é que o último navio com escravos africanos chegado ao Brasil foi em 1857, ou seja, 07 anos após a proibição legal e oficial.

A proibição de importação não significa que o comércio interno e a escravidão tenham sido extintas. Somente 21 anos depois da extinção da importação da africanos é que foram dado os primeiros passos para a extinção da escravatura, com a publicação, em 1871, da Lei do Ventre Livre, segundo a qual todos os filhos de escravas eram livres e em 1885 foi promulgada a Lei do

Sexagenário, dando a liberdade a todos os escravos com mais de 60 anos .

Em 13 de maio de 1888, foi publicada a Lei Áurea, de libertação dos escravizados .

Naquele momento os escravizados que já tinham sido mais de 60% da população brasileira era, somente, em torno de 05%. A Lei Áurea resolveu o problema do branco e não do africano ou afrodescendente, pois se dizia que o escravo precisava de três “P”,“pão, pau e pano”. Era mais barato contratar a mão de obra assalariada, tanto do ex-escravo e seus descendentes como dos

imigrantes europeus .

O Porto de Salvador na Bahia foi a principal port a de entrada dos Africanos , tendo recebido pelo menos 1.200.000, seguido pelo Rio de Janeiro.

Outro dado importante de se registrar é que não havia nenhum rigor no momento de distribuição desses africanos . Nos porões dos navios já havia a mistura das etnias , das línguas e das crenças , a partir daí nas senzalas brasileiras e especialmente nas ruas da Bahia. Por tanto a Bahia, tida como a Roma africana, era cantada:



"Formosa filha de África, Bendit a fruto da África, Bahia de Iemanjá,

Foi com dores e com prantos Que a África te concebeu.

O pranto de nossas dores Te encheu de noite de orvalho.

Mas és a rosa querida Aberta junto ao mar ." 1

1 Estes versos são de “Iemanjá”, poema em que Sosígenes Costa desenvolve a lenda do Coronel Ellis sobre o nascimento dos Orixás, aproveitando motivos vários do foclore negro da Bahia.





Os africanos e seus descendentes foram a primeira mola de desenvolvimento do Brasil, pois foram explorados na lavoura da cana de açúcar , nos engenhos coloniais , nas bandeiras , na caça aos índios , na mineração e na lavoura do café. Sempre submetidos à tirania social política dos europeus . Era a besta de carga. Carregava o preconceito da raça e a escravidão, que foi mola de desenvolvimento colonial. Esta situação tirou do africano todas as possibilidades de desenvolvimento autônomo. A escravidão e não a raça era a causa da degradação do negro, mas isso passava despercebido.De um lado estava a extrema riqueza dos senhores e do outro lado a desoladora miséria da maioria.



As diferenças eram muitas : o africano era diferente na cor , falava outra(s) língua(s ), adorava outros deuses, tinha outros costumes e outra organização familiar , mas tudo isso era ignorado pelo branco europeu. Diante desta situação e à margem da justiça, o africano sofria o banzo, da saudade da sua kwe/nzo/cubata/“i lu-aiyê” 2 (2 Casa , Terra – fon, kimbudo e yorubá, respectivamente) das florestas colossais saltitantes de vida e de liberdade.

Ao escravizado se impôs muitos males sociais e tropicais ,além dos que já traziam, como por exemplo o amarelão, o bicho-dopé,a desinteira mansoniana e alguns mosquitos como o da febre

amarela. A saudade persistia, como se pode ver no poema “Negro” de Raul Bopp:



“Pesa em teu sangue a voz de ignoradas origens . As florestas guardaram na sombra o segredo da tua história.

A tua primeira inscrição em baixo-relevo foi uma chicotada no lombo. Um dia atiraram- te no bojo de um navio negreiro e durante noites longas e longas viste ouvindo o barulho do mar como um soluço dentro do porão soturno.

O mar era um irmão da tua raça. Um dia de madrugada, uma nesga de praia e um porto, armazéns com depósitos de escravos e o gemido dos teus irmãos amarrados numa coleia de ferro.

Principiou- se ai a tua história. O resto, o Congo longínquo, as palmeiras e o mar , ficou se queixando no bojo do urucungo.”



O negro estava legalmente livre, mas não ganhou nada com isso. A partir daí começa o século XIX, e este foi em todo mundo o século da burguesia. O Africano e seus descendentes continuaram explorados . Agora como proletariados , sob o peso da sociedade oficial e com o estigma da escravidão, que tinha acabado, mas continuava pesando sob os ombros das suas ex-vítimas .

Ao chegarem da África, como escravos que eram, todos os seus valores foram desprezados e como negros que eram, a teologia cristã os via como não humanos , desalmados .

A ética cristã/européia não via nenhum mal em escravizá- los .

Aos poucos a igreja foi mudando e admit indo a evangelização dos africanos ou afro-descendentes , porém, suas igrejas eram separadas e não tinham acess o aos espaços de culto dos brancos .

Como eram obrigados a cultuar ou respeitar os ritos cristãos , tiveram que buscar vários artifícios, conscientes ou inconscientemente, para preservarem suas crenças, seus costumes , e até (re)criar novos sistemas de crenças e novas explicações a respeito do universo.

Nesse diapasão, não se pode esquecer , também o artifício da própria igreja em explorar o sincretismo, com o intuito de enfraquecer as crenças africanas. Também não pode passar

despercebido a apropriação dos valores dos seus dominadores . O sincretismo desenvolvido pelo africano é uma ação de apropriação através de uma nova leitura dos valores religiosos do seu

escravizador .

Como os bantus foram os primeiros a chegar por aqui , tiveram menos espaços para fixar as suas crenças , devido a rigidez da escravidão, porém, influenciaram mais na alimentação, no falar brasilei ro e na cultura como as fes tas das congadas, maracatú, coroação de reis , a capoeira, o samba, a umbigada etc.

Os nagôs , foram os últ imos , alguns puderam voltar à África, outros fizeram a travessia do atlântico para buscar seus pertences e objetos rituais, dessa forma influenciaram mais no sistema religioso afro-brasileiro, já que as tradições do candomblé são praticadas em uma estrutura quase cem por cento nagô, ate mesmo onde se cultuam divindades de origem banto.

Esse era o caminho para a resistência cultural e de uma “consciência negra ” na nova terra: os centros religiosos , mais tarde conhecidos como candomblé e umbanda.

Estes grupos se tornaram núcleo de resistência. Um meio pelo qual o negro toma consciência de si e de suas diferenças culturais , de suas capacidades e dos caminhos que ele teria para se perceber

como um indivíduo que veio para o novo mundo contra sua vontade.

Percebeu que teria que lutar com todas as suas forças para não ser vítima de uma nova dominação, que alcançaria a sua cultura, sua individualidade, suas crenças e os seus brios que se

manifestam na cor, no ritmo, na dança e no jeito diferente de explicar o universo.

I I – Afro – Bras i leiro: todos nós (?)

Ora, em primeiro momento eram africanos. A primeira geração que chegava escravizada nos porões dos muitos navios e durante os três séculos e meio de escravidão eram africanos . Seus

filhos porém, já cresciam com o amálgama cultural que a mistura étnica propiciava.

Claro que não temos que ver a escravidão e o abrasileiramento com olhos de poetas , nem reforçar o mito (falso) da “escravidão cordial”, construído durante séculos para justificar a chamada e irreal “democracia racial ” do Brasil . Esta é a visão da varanda da casa grade para a senzala.

Escravidão é igual em qualquer parte do mundo. Se não no modo e comportamento físico, mas na alma e na capacidade de se senti ou não autor de seu destino.

Ninguém perguntou ao africano se ele quer ia vir para as colônias portuguesas , entre elas o Brasil , para ser a mão de obra do desenvolvimento colonial .

Foram seqüestrados . Roubaram seus bens, suas famílias, suas tradições, sua língua, seus cultos e lhe deram em troca uma língua estranha, a impossibilidade de formar família e uma terra estranha (usurpada pelo europeu) , para lavrar e produzir bens , não para s i ou para sua comunidade e descendência, mas para aqueles que agora se intitulavam seus senhores .

Mas a res is tência se fez. Se manter af r icano e depois se “abrasileirar” e se “apropriar” de valores dos seus algozes foi a estratégia. Com esta estratégia deixaram suas marcas , que hoje nos

define a todos como brasileiros . Quer conscientes ou não. Quer sabendo ou não, muitas palavras que adoçam a nossa chamada língua lusa são na verdade africana. Que, a maioria de nós , mesmo

tendo olhos azuis , se fizermos a nossa árvore genealógica, vamos encontrar um antepassado africano ou afro-descente.

A definição de uma sociedade não se dar somente pela descendência genética, mas pela herança cultural e pela construção de sua identidade. Não se pode negar es ta influência em todos os

campos de manifestação brasileira. Em alguns mais outros menos , mas a presença dos nossos antepassados africanos e seus descendentes, que hoje são considerados heróis, mesmo que

simbolicamente na pessoa de Zumbi dos Palmares , está impressa em noss o corpo ou em nossa alma, ou em ambos .

Se reconhecer negro ou afro-brasileiro, é uma questão pessoal e de identidade, mas reconhecer que não temos como fugir dos traços culturais herdados , que, ou são africanos ou foram recriados com a visão de africanos na diáspora, é uma questão de conhecimento de si mesmo como sujeito histórico e resultado de um process o histórico.O pertencimento a um grupo étnico é uma questão diferenciada ao indivíduo que herdou historicamente traços físicos e/ou culturais de uma e outra etnia.

Se somos também euro-brasileiros? Claros que sim, mas não somente. Não é uma questão afro-etnocentrica que defendemos .

Não vamos radicalizar. Somos euro-brasileiros na nossa fala, na nossa dança, na nossa alimentação, na nossa música e dança e religião, tanto quanto somos, também, afro-brasileiros e natobrasileiros (dos chamados indígenas , ou nativos da terra) .

Mas a questão de pertencimento ou de predominância na constituição da nossa identidade é pessoal .

Não adianta olharmos para nós e nos definimos branco ou negros , ou índios , ou mulatos , ou cafusos , etc. Mas devemos nos olhar como seres sociais, que vivemos em uma sociedade que

interage e que foi amalgamada em um caldeirão cultural composto multi -etnicamente. Reconhecer que os valores e referenciais africanos e fazem presente no nosso dia – a – dia.

Isto é ser brasileiro.

I I I – Considerações finais . Não podemos negar que somos resultado de desta multi -etnia.

Por tanto não podemos alimentar preconceitos ou fechar os olhos para a segregação racial e para as manifestações racistas que existem no Brasil .

Também não podemos esquecer que mais de um século depois do final oficial da escravidão, as desigualdades geradas naquele sistema permanecem entre nós e se propagam de geração em

geração.

Claro que o reconhecimento do pertencimento étnico, não é o passo mais importante, mas faz com nos sintamos responsáveis pela nos sa realidade histórica e pela que queremos construir. Como também, nos faz vítimas diretas ou indiretas de todas as diferenças que se apresentam até hoje nos indicadores sócio-econômicos entre brancos e negros . Nos ajudará a termos consciência dos problemas étnicos raciais e enfrentá- los . Nos declararmos afros -descendentes ou não, não é o objetivo maior de toda esta problemática étnico-cultural. Nos declararmos afros -descendentes é muito mais do que reconhecermos a genética e o grau de melanina que s e propaga em nossas gerações ascendentes e descendentes, mas é uma questão de pertencimento a esta sociedade constituída por toda esta diversidade. Claro que somos também euro-descendentes , mas não só. Ser afro-descente é uma questão de identidade social e de um reconhecimento histórico da contribuição de um povo que em primeira mão se chegaram nestas terras escravizados e seqüestrados de suas origens . Esse povo resistiu, mas também se apropriou da terra (um exemplo foram os quilombos ), se apropriou de valores que eram tidos como exclusivos dos seus escravizadores, se e fez uma releitura da fauna, flora, cultura, religião e estrutura social .

Por tudo isto, podemos concluir que a chegada do africano na terra de Santa Cruz, africanizou a alma do futuro brasileiro. Africanizou não só a alma, mas a pele, os costumes, a culinárias , os cultos e tradições . Africanizou tanto que até hoje a academia, embora resis tente, reconhece, ou pelo menos dá os primeiros passos para reconhecer essa africanização, o que prova que é algo continuado. Que a africanização não acabou e nunca vai se dar por acabada.

Vai sempre avançar . Por que tem sempre que avançar? Porque a escravidão e a segregação ainda não acabou. Porque as contribuições que africano trouxe para o novo mundo ainda não foram reconhecidas . Isto também é uma forma de escravidão e de afirmação hegemônica de outros grupos . Grupos estes que embora formadores também da alma e da genética brasileira não são

únicos . Foram minorias na questão totalitária de indivíduos , mas que sempre detiveram o poder e a dominação.

Porque enquanto os valores afros forem considerados como algo mau e que devem ser combatidos a escravidão se refaz e se reaviva na alma do afro-descedente. Afro-descente este que por herança ou genética ou cutural somos todos nós.



Links

http://www.cieaa.ueg.br/documentos.htm Centro Interdisciplinar de Estudos África Américas Univ Estadual de Goiás

http://mnu.blogspot.com/ Movimento Negro Unificado

http://www.abdias.com.br/ Abdias Nascimento

http://www.portaldaigualdade.gov.br/ Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

http://news.afrobras.org.br/ Agência internacional de notícias afrobrasnews