segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

OFA ACT - Textos Geografia Yves Lacoste- outros

Para que serve a geografia e qual sua função social? Nesse livro, Yves
Lacoste responde a tais questões e alerta para as conseqüências que
ocorrem nas populações atingidas pela "organização" de seus espaços,
conclamando os geógrafos a assumir uma posição militante contra a
instrumentalização da geografia pelos interesses estatais ou privados.

A Geografia serve para fazer a guerra?
Julga-se que a Geografia não é mais do que uma disciplina escolar e
universitária, cuja função seria fornecer elementos de uma descrição
do mundo, dentro de uma concepção desinteressada da cultura dita
geral. Pois qual poderia ser a utilidade daquelas estranhas frases
soltas em alguns livros de Geografia, que é necessário aprender nas
escolas? Os maciços dos Alpes do Norte, a altitude do Pico Everest, a
densidade demográfica da Holanda, a capital do Nepal etc. E os nossos
pais e avós a lembrarem que em seu tempo era necessário saber as
capitais de todos os países de certo continente. Para que serve tudo
isso? Uma disciplina "estupidificante" mas, apesar de tudo, simples,
pois, como toda a gente sabe, "em Geografia não há nada que perceber,
é preciso é ter memória, é só decorar".
Antigamente, talvez esta Geografia tenha servido para qualquer coisa,
mas, hoje, a televisão, as revistas, os jornais não mostram melhor
todos os países através de notícias, e o cinema mostra melhor as
paisagens? Mas, que diabo, dirão todos os que não são geógrafos: a
Geografia não serve para nada!
A toda a ciência ou saber deve ser feito o seguinte questionamento: o
processo científico está ligado a uma história e deve ser analisado,
por um lado, na sua relação com as ideologias; por outro lado, como
prática ou como poder. Dizer antecipadamente que a Geografia serve,
antes de mais nada, para fazer a guerra, não implica que sirva apenas
para executar operações militares; ela serve também para organizar os
territórios, não só como previsão de batalhas que se deverão travar
contra tal ou tal inimigo, mas também para melhor controlar os homens
sobre os quais os aparelhos de Estado exercem a sua autoridade. A
Geografia é, antes de mais nada, um saber estratégico intimamente
ligado a um conjunto de práticas políticas e militares e são essas
práticas que exigem a acumulação articulada de informações
extremamente variadas, à primeira vista desconexas, de que não é
possível compreender a razão de ser, a importância, se nos mantivermos
dentro dos limites do saber pelo saber. São as práticas estratégicas
que fazem com que a Geografia seja necessária, em primeiro lugar, aos
que comandam os aparelhos de Estado.
Hoje, mais do que nunca, a Geografia serve, antes de mais nada, para
fazer a guerra. Pôr em prática novos métodos de guerra implica uma
análise extremamente precisa das combinações geográficas, das relações
entre os homens e das "condições naturais" que é necessário destruir
ou modificar para tornar determinada região inabitável ou para levar a
cabo um genocídio. A Guerra do Vietnã fornece numerosas provas de que
a Geografia serve para fazer a guerra de maneira mais global. Um dos
mais célebres e mais dramáticos exemplos foi posto em prática em 1965,
1966,1967 e sobretudo, em 1972, em um plano de destruição sistemática
da rede de diques que protegem as planícies extremamente populosas do
Vietnã do Norte. A escolha do locais a bombardear resultou de um
estudo geográfico a vários níveis de análise espacial.
Adaptado de LACOSTE, Y. A Geografia - Isso Serve, em Primeiro Lugar,
para Fazer a Guerra. São Paulo, Papirus Editora, 1989, pp. 21-30.
Retirado de: COIMBRA, Pedro e TIBÚRCIO, José Arnaldo. Geografia - uma
análise do espaço geográfico. São Paulo, Harbra, 1995.
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Fragmentação do Saber: crise do paradigma clássico da Ciência e a
emergência de uma perspectiva de mudança no ensino?
1
Edson Oliveira de Paula
2
Introdução
Desde os tempos mais remotos o homem enfrenta desafios das mais diversas ordens.
Ter o domínio sobre seu corpo, alimentar-se, associar-se a outros em
grupos, estabelecer-se
em dadas porções do espaço, desenvolver técnicas de agricultura e
criação de animais, etc.,
são exemplos bem comuns. No entanto, há a necessidade, ou melhor, a
obrigatoriedade da
presença de algo em cada uma destas atividades: o Conhecimento.
Através da empiria, da filosofia, da arte, do senso comum, da ciência, etc., o
conhecimento se manifesta. Muitos foram e são os paradigmas e as
referências filosóficas a
influenciar na obtenção e/ou na produção do saber, embora todas tenham
a mesma função:
representar a realidade segundo a forma de apreensão que se tem, seja
de maneira holística ou
fenomenológica, sistemática ou dialética, idealista ou materialista,
com as receitas positivistas
ou com o relativismo pós-moderno, enfim, ele tem sido produzido e
reproduzido há séculos,
segundo as mais diferentes concepções que o embasem.
No entanto, no fim do séc. XX e neste início de século, inúmeras são
as discussões de
caráter epistemológico e pedagógico, acerca dos francos sinais de
esgotamento do paradigma
clássico da ciência, representado pelo positivismo, quando de seu
limitado arsenal na tentativa
de compreensão da realidade, tendo em vista a enorme fragmentação do
saber, e sua visível
incapacidade de comunicação, seja entre as disciplinas - que, apesar
de sustentadas pelo
mesmo paradigma, possuem uma diversidade de metodologias, que ora se
distanciam, ora se
chocam - no campo da pesquisa, seja no campo pedagógico,
distanciando-se do contexto
sócio-espacial dos educandos (Luck, 1994).
1
Trabalho resultante do grupo de discussões no Laboratório de Estudos
Geoeducacionais (LEGE-UFC), sob a
coordenação do Prof. Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira.
2
Graduando em Geografia na Universidade Federal do Ceará (UFC),
Bolsista do Laboratório de Planejamento
Urbano e Regional (LAPUR) e vinculado ao programa Pibic/CNPq.
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Nesse quadro se insere a Geografia, que há muito estabelece reflexões
acerca dessas
questões, seja com Lacoste (1993) e suas tentativas de desmistificação
do papel desta ciência,
dentro da organização sócio-espacial há época; seja no bojo das salas
de aula, no contato
direto com o conjunto escolar.
Cabe antes de adentrar no cerne dessa crise epistemológica e
pedagógica, encarada
pelo sistema escolar de educação, traçar um breve histórico, acerca da
preocupação que a
humanidade reservou ao longo do tempo ao conhecimento, sem querer aqui
estabelecer de
forma mecânica um pretenso evolucionismo à revelia da complexidade do real a se
manifestar.
Um breve retrospecto...
Mesmo nos longínquos períodos em que a humanidade engatinhava em busca de uma
organização social mais sólida a necessidade de conhecer se fazia
presente. Ela se
manifestava por meio de mitos. O Mito seria uma
expressão simbólica, por imagens, de valores. Esta expressão é
carregada de conotações afetivas (...)
abrangendo uma totalidade dificilmente apreensível de modo direto e
imediato pela consciência
discursiva, o mito sintetiza, recorrendo ao símbolo, conteúdos que se
referem às mais profundas
aspirações do ser humano: sua sede de absoluto e de transcendência,
sua deslumbrada busca de
plenitude. (CÉSAR, 1988, p. 37-38)
Dessa forma o conhecimento emerge ai de maneira integral, vista em sua
totalidade,
tanto do ponto de vista de sua obtenção direta in loco, quanto de sua
representação que chega
ao receptor de modo completo. Moura (1988) corrobora com essa idéia,
pois indica que
Para o homem mítico não há cortes a serem feitos na realidade pelo
pensamento. Ele vive dentro de um
mundo harmônico e fechado. Não necessita de esclarecimentos, nem de
ligar os fatos através de idéias
coerentes. (...) [O mito] é um pensamento que o primitivo confunde com
sua própria vida. Num
contexto vivido, ele se afirma como a maneira mais espontânea de se
estar no mundo (p. 51 - grifos
meus)
O que deve ser ressaltado nesse caso, além da integralidade do saber,
é a profunda
ligação com a dinâmica cotidiana, do vivido, da práxis diária do homem
primitivo, que se
mostra como o elemento que se opõe a lógica ocidental, das sociedades modernas.
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Moura (1988) nos conduz ainda a um segundo momento vivido na Grécia durante a
Antiguidade Clássica, que dá sucessão a mitologia, onde a percepção
pura e simples não mais
satisfaz as necessidades de uma sociedade em evolução. Introduz-se
então, com a descoberta
do logos, o centralismo do homem, enquanto objeto e possuidor de todo
conhecimento
(DOMINGUES, 1991,p. 19), descosmologizando o conhecimento, construindo
dessa forma
uma visão antropológica.
O maior expoente de tal concepção é Sócrates, que através de sua busca
incessante
pelo conhecimento, iluminado pelo preceito délfico do conhece-te a ti
mesmo nos faz
depreender que "todo conhecimento já está no interior do homem, porém
ele está adormecido,
esquecido. (...) Assim, 'saber é recordar-se'." (MARTIN CLARET, 2005, p. 25).
Vemos que a partir de tal predisposição o conhecimento, tido como o
real, a verdade, o
universal, não se encontra no mundo exterior, sensível (uma vez que,
os sentidos são as
maiores fontes de erro), mas no inteligível, no mundo moral (ou das
idéias, como Platão,
posteriormente, tão bem retrata em seus escritos), através do uso
apenas da razão como
instrumento.
Segue-se a esse período uma quebra no pensamento secular, com o período da Idade
Média, onde a fonte de todo conhecimento deixa de ser o homem e passar
a residir em Deus.
A razão, portanto, atende nesse momento aos preceitos da Teologia,
impregnada por aquilo
que Domingues (1991) denomina de Teoria do Homem pecaminoso, ao
contrário da Teoria
do Homem Interior, característica da Antiguidade Clássica.
Encabeçada por Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, acaba o homem, na
tentativa de se conhecer, percebendo que não possui autonomia, que se
encerre em si, mas
como um ser que depende das graças de Deus, o que dificultou
significativamente um maior
desenvolvimento do conhecimento, que passa a ser mistificado pelo
poder hegemônico da
Igreja e considerado uma heresia, toda vez que se vislumbrasse a
possibilidade de contestação
daquilo que não fosse oriundo do Todo-poderoso.
Com o fim da repressão católica, vemos na Modernidade, primeiramente com o
Renascimento e, posteriormente, com o Iluminismo e o Positivismo, uma
retomada de fôlego
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do pensamento secular. Descartes deixa como contribuição um compendio de ações
norteadoras para a análise científica, aliando os princípios da lógica
formal à simplificação e
fragmentação da realidade, organizando o conhecimento numa perspectiva
linear, descritiva e
generalizadora, capaz de produzir esquemas que auxiliam no sentido da
compreensão, de um
ponto de vista fragmentário, de fato, mas ainda, em certa medida, de
maneira articulada, o que
não acontece com os positivistas, que lhe seguem no tempo, não de
forma evolutiva, é claro
(DESCARTES, 2006).
O Positivismo e a necessidade de superação da visão fragmentária na sociedade
moderna
Comte, na figura de sistematizador do Positivismo, apropria-se de muitos dos
preceitos apresentados por Descartes, como a descrição exaustiva e a
atomização do objeto de
estudo, bem como as noções lineares e a conseqüente elaboração de
diretrizes gerais de um
conhecimento especializado. Some-se a isso a concepção de uma
realidade mecânica, inerte e
objetiva, e, portanto apreensível ao nível dos sentidos, relegando
tudo o mais que não se
enquadre nesse molde, mediante a aplicação de um método (constituído
pelos elementos
supracitados), de maneira pretensamente imparcial (LUCK, 1994).
No campo da pesquisa, tal paradigma se mostra incapaz de entender a realidade em
suas múltiplas facetas, uma vez que, a visão atomista não consente o
diálogo entre as diversas
áreas do conhecimento (e/ou as disciplinas que são oriundas desse
contexto), que ainda que
abordem os mesmos objetos, não dialogam entre si, no caminho de uma
complementaridade,
mas apenas, quando muito, para se contradizerem, em nome desta ou
daquela referência, que
passa a ser canonizada e que não deve em hipótese alguma conter
equívocos ou lacunas,
revelando a realidade num mosaico de saberes parcelares heterogêneos e
conflitantes, ou
numa enorme sinfonia onde os diversos instrumentos que a compõem tocam
independentemente, um a frente do outro gerando um barulho ensurdecedor...
No que tange o campo pedagógico, o positivismo (e as formas que o seguem ou
aproveitam características metodológicas, de maneira mais ou menos direta), tem
rebatimentos não menos felizes. Luck (op. Cit) aponta o quadro
pedagógico como possuidor
dessa problemática de forma ampliada, pois o conhecimento já
profundamente especializado
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é submetido, novamente, ao tratamento metodológico analítico, linear e
atomizador, agora com o
objetivo de facilitar a sua apreensão pelos estudantes (...) maior do
que fora produzida, [estabelecendo
assim] um mais acentuado distanciamento do conhecimento, em relação a
realidade de que emerge (p.
39).
Tal tendência pode ser encontrada na Geografia, que por muito tempo se ateve a
observação, descrição, enumeração de características, diferenciação de
regiões, mediante a
análise da paisagem. Tamanho é o enquadramento nesse paradigma que
vemos em Castro
(2007) ao se referir sobre a escala no empreendimento das análises
realizadas no interior
desta disciplina.
A prática de selecionar coisas do real é tão banalizada que oculta a
complexidade conceitual que esta
mesma prática apresenta. Como não se tratasse apenas de tamanho ou de
representação gráfica, é
preciso ultrapassar os limites para enfrentar o desafio epistemológico
que o termo escala e a abordagem
necessariamente fragmentada do real colocam. (p. 129 – grifo meu)
No trecho descrito acima fica claro que as metodologias de análise passam
historicamente, sem dúvida, pelo crivo do fracionamento da realidade.
Tanto que Lacoste
(1993), ainda na década de 1970, debate, principalmente, sobre o
divórciamento entre teoria e
prática, que ocultava seu conteúdo político, ou seja, seu verdadeiro
papel na constituição da
organização social. Chega ele a classificar a Geografia em dois grupos
aparentemente
opostos, mas umbilicalmente interligados, quais sejam: a Geografia dos
professores e a
Geografia dos Estados-maiores. Para ele objetivo desta ciência seria o de
impor a idéia de que o que vem da geografia não deriva de um
raciocínio, sobretudo nenhum raciocínio
estratégico conduzido em função de um jogo político. A paisagem! Isso
se contempla, isso se admira; a
lição de geografia! Isso se aprende, mas não há nada para entender.
Uma carta! Isso serve para quê? É
uma imagem para agência de turismo ou o itinerário das próximas férias (p. 35).
Como visto as descrições exaustivas e as discussões ingênuas, do
"saber pelo saber"
da Geografia escolar, faziam da Geografia e dos seus diversos campos
disciplinares algo
supérfluo, sendo considerada por muitos, ou como bem expressa o
próprio autor ao se referir
do discurso corrente "uma disciplina simplória e enfadonha" (LACOSTE,
op. Cit). No
entanto, tais concepções não podiam mais conter o movimento de
renovação epistemológica
que se afigurava no seio da sociedade industrial.
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Percebermos claramente neste momento, que o paradigma clássico de produção da
ciência e, mais explicitamente o de reprodução, no sentido do ensino,
há tempos dava francos
sinais de insatisfação e de incapacidade de compreensão da realidade
cada vez mais
complexa. Sobre o termo complexidade Morin (2006) esclarece, dizendo
que ele deve ser
compreendido no sentido de "algo que foi tecido junto", onde há a
indissociabilidade de
elementos diversos constituintes de um mesmo todo, revelando-nos o
multidimensional, o
mundo multifacetado, em seus mais diversos aspectos: econômico,
cultural, político, afetivo,
etc., em "um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo
entre o objeto de
conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes,
as partes entre si."
(MORIN, 2006, p. 35).
Concorre para a reafirmação dessa tendência de complexificação do real toda uma
série de avanços técnicos, científicos e informacionais que aceleram
esse processo e impõem
à sociedade um conjunto de novas demandas. Libâneo (1998) aponta entre
elas a capacidade
de desenvolvimento cognitivo e operatório, relacionado com o despertar
de um pensamento
autônomo, criativo e crítico, tendo em seu horizonte o domínio sobre
os recursos tecnológicos
como instrumentos de potencialização do ensino, que devem ser empregados, mas
cuidadosamente selecionados, sem pena de que a prática docente caia em
desuso, mas pelo
contrário reiterar a centralidade de sua participação na construção de
uma nova educação.
No que concerne particularmente à nossa cara Geografia, Vezentini
(2004) lança mão
de algumas propostas que o ensino de Geografia precisa encarar, neste
início de século. Para
ele
O ensino da geografia no século XXI, portanto, deve ensinar – ou
melhor, deixar o aluno descobrir – o
mundo em que vivemos, com especial atenção para a globalização e para
a escala local (do lugar de
vivência dos alunos), deve enfocar criticamente a questão ambiental e
as relações sociedade/natureza
(sem embaralhar a dinâmica de uma delas na outra), deve realizar
constantemente estudos do meio
(para que o conteúdo ensinado não seja meramente teórico ou "livresco"
e sim real, ligado à vida
cotidiana das pessoas) e deve levar os educandos a interpretar textos,
fotos, mapas, paisagens,
problemas sócio-espaciais enfim (VESENTINI, 2004).
Entre os mais variados campos de estudo, mesmo nas áreas físicas, como
no próprio
caso da Geografia e em outras ciências correlatas urge a necessidade
de implementação de
novos percursos pedagógicos, tendo em vista a superação desse quadro
de compartimentação
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dos saberes. Há outras tentativas que devemos apontar na busca de
empreender algumas
mudanças. É o caso da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade
que merecem um
pouco mais de atenção.
Pluri, inter, e transdisciplinaridade: há resposta à atomização do conhecimento?
No atual quadro da profunda especialização do conhecimento, ou do chamado big
bang disciplinar, se parafrasearmos Nicolescu (2007), a pluri, a inter
e a transdisciplinaridade
surgem como proposições que visam reverter, em certa medida, esse problema.
O conceito de pluridisciplinaridade se relaciona com o "estudo de uma única
disciplina efetuado por diversas disciplinas ao mesmo tempo", o que
enriquece o objeto em
estudo, uma vez que, deve ele ser visto também por outras ciências.
Assim, "o procedimento
pluridisciplinar ultrapassa os limites de uma disciplina, mas sua
finalidade permanece restrita
ao quadro da pesquisa disciplinar em questão." Frequentemente esse
conceito tem sido
confundido com a interdisciplinaridade, no entanto, cabe aqui desfazer
esse desengano
(NICOLESCU, 2007).
A interdisciplinaridade se liga mais diretamente ao emprego de métodos de uma
disciplina em outra, possuindo três graus: de (i) aplicação, (ii)
epistemológico e de (iii)
criação de novas disciplinas. Interessa-nos aqui mais propriamente o
primeiro e segundo
grau, pois se vinculam com o objetivo de nossas reflexões no sentido
da integração dos
conhecimentos compartimentados. No primeiro caso, implica na
transferência de método, por
exemplo, da física nuclear na medicina, possibilitando descobertas no
campo terapêutico. No
segundo, vê-se da mesma forma uma reflexão mais complexa como o uso
"da lógica formal
no domínio do direito, por exemplo, [o que] dá origem a interessantes
análises na
epistemologia do direito." O grau de criação de novas disciplinas não
nos interessa aqui, pois
vai de encontro àquilo que propomos, uma vez que, ele reforça o big
bang disciplinar, pois
permite o aprofundamento da produção atomista do conhecimento (IDEM).
Por fim, a transdisciplinaridade se apresenta como algo que está entre
e além de todas
as disciplinas, referindo-se mais propriamente com a capacidade de
"compreensão da
realidade", onde tem como pressuposto maior a unidade do conhecimento.
Ela considera em
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suas análises a possibilidade de vários níveis de realidade, não
apreensível apenas ao nível
sensório, mas se articula com outros, em um ponto de vista multidimensional.
Se, de um lado, a transdisciplinaridade convive e se apropria dos saberes
especializados da pesquisa disciplinar, de outro, ela se apóia sobre
um tripé, onde os vários
níveis de realidade, a lógica do terceiro incluído e a complexidade
compõem os seus
elementos teórico-metodológicos (IDEM).
Dessa forma, a compreensão da realidade passa pelo crivo da
consideração dos vários
níveis de realidade, tendo em vista que apenas um nível não é capaz de
apreensão do real em
sua complexidade, contrariando o paradigma clássico. Entretanto, essa
integração de níveis se
faz pelo uso da lógica do terceiro incluído, que é um elemento que
completa um nível
imediato de realidade, mas que concomitantemente insere uma outra
lacuna, somente
preenchida em um nível superior, que por sua vez traz mais outra e que
se completa da mesma
forma em um outro, num sistema aberto e contínuo rumo à complexidade.
Se Libâneo (op. Cit) nos convida a utilizarmo-nos de recursos tecnológicos e
informacionais para um melhor aproveitamento pedagógico, lançamos mão
de indicar o ato
da vivência, da práxis, da construção cotidiana da realidade. Assim,
numa perspectiva mais
objetiva, compreender o Espaço sob as óticas da Geografia, ou do
Turismo, utilizando seus
respectivos pressupostos teórico-metodológicos, de maneira isolada, é
algo totalmente
diferente de ter em seu horizonte uma possível integração, onde
poderíamos fazer uso do
turismo como ferramenta pedagógica, incorrendo inclusive na procura de
uma eliminação da
barreira que separa os espaços escolar e domiciliar, através de
estímulos a utilização dos
relatos dos momentos de lazer, reunindo e empregando as informações
obtidas nos momento
de férias, ou de visitas à casa de familiares como subsídios que
potencializem o ato de
aprender, tendo em vista que este não se limita à escola, mas também
(e muitas vezes até em
maior proporção) em ambientes educacionais informais e/ou não-formais.
Pode ainda o professor, enquanto mediador do processo educativo, pelo menos no
âmbito escolar, empreender viagens com os alunos a locais considerados
ou não de relevância
histórica dentro da própria cidade, convidando os estudantes a
simularem um passeio
turístico, durante a aula de campo, buscando apreender o Espaço tanto
sob a ótica do visitante,
quanto sob a ótica do nativo, unindo-as, ao fim, numa compreensão mais ampla.
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Estas são, sem dúvida, medidas que podem e devem ser implementadas e avaliadas,
não sendo apenas uma moda como é a preocupação de muitos educadores,
mas uma efetiva
forma de tentar superar a visão fracionária instalada em nossos dias.
O início de um longo debate... (Considerações finais)
A pluri, a inter e a transdisciplinaridade, buscam responder a crise
epistemológica e
pedagógica instalada. Muitos são os estudiosos que de alguma forma
contribuem para o
debate acerca das necessidades de modificação da estrutura educacional
vigente. Libâneo
(1998), por exemplo, propõe seu modelo de educação renovada nos
critérios de uma educação
que deva motivar a flexibilidade das habilidades docentes e discentes
no processo
educacional, e no seu dia-a-dia, onde haja o estímulo ao
desenvolvimento cognitivo e do
pensamento autônomo. Morin (2006), a seu turno, faz uso de uma série
de advertências,
quando em seu trabalho: "Os sete saberes necessários à Educação do
Futuro", como a
obrigatoriedade de visualização dos aspectos múltiplos que se fazem
presentes no todo único
multifacetado. Nicolescu (op. Cit), com a exposição dos conceitos
supracitados, traz-nos o
imperativo de pelo menos quatro elementos que estejam contidos no
processo educacional
nessa nova fase que se apresenta, a saber: aprender a aprender,
aprender a fazer, aprender a
conviver e aprender a ser.
Entretanto, como nem tudo são flores, toda essa efervescência requer de nós
educadores uma reflexão crítica ininterrupta sobre a prática
pedagógica e o efeito dessas
implicações no cotidiano escolar e na sociedade, de modo geral. Fica
claro que devemos ter
maior atenção sobre o envolvimento e/ou as tentativas de apropriação
deste movimento por
interesses escusos, uma vez que, alguns termos, como flexibilização e
elaboração de um
pensamento autônomo (que na perspectiva mercadológica não guarda a
fidelidade que o
termo exprime), encaixam-se na lógica do mercado, sob a égide de uma
sociedade dominada
pelas demandas do capital.
Ao fim, realizadas a exposição e as ressalvas a que devemos ter em conta,
reafirmamos o compromisso e deixamos o convite à construção de uma nova prática
pedagógica, de maneira a ter em mente a obrigatoriedade de reinventar
incessantemente no
processo de ensino/aprendizagem!
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