segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Diretrizes curriculares para o ensino médio: por uma escola vinculada à vida

Diretrizes curriculares para o ensino médio: por uma escola vinculada à vida
Guiomar Namo de Mello (*)

As diretrizes curriculares nacionais são normas obrigatórias que
orientarão o planejamento curricular das escolas e sistemas de ensino,
fixadas pelo Conselho Nacional de Educação por meio da Câmara de
Educação Básica. O ponto de partida para a formulação das diretrizes
para o ensino médio foi o primeiro artigo da Lei 9394/96 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB). Esse artigo afirma que
a educação escolar deverá estar vinculada ao trabalho e à prática
social.
(*) Guiomar Namo de Mello foi educadora, pesquisadora, ex-secretária
municipal da educação da cidade de São Paulo, ex-deputada estadual,
assessora de projetos de reforma educacional no Brasil e no exterior.
Na atualidade é Conselhira do Conselho Nacional de Educação.

1. As bases legais e doutrinárias
É relevante assinalar que pela primeira vez uma lei de educação não
diz que o ensino profissional vincula-se ao trabalho mas que toda a
educação escolar será vinculada ao trabalho e à prática social, da
creche ao último ano de doutorado, em todas as matérias. Isso porque
ela não especifica níveis, modalidades ou matérias nos quais a
vinculação ao trabalho ou à prática social seria obedecida. Ao
contrário, une o trabalho à prática social como as duas dimensões que
devem estar presentes no processo educativo, em todas as suas
manifestações escolares.
O segundo princípio importante é o fato de ser a lei muito
parcimoniosa ao mencionar disciplinas, quando se refere tanto à
finalidade quanto aos currículos ou às diretrizes curriculares. Só são
citadas disciplinas em casos muito específicos e, assim mesmo, com o
nome de componentes curriculares ou de «conhecimentos sobre» e não
necessariamente de uma disciplina escolar tal como a conhecemos.
A LDB, antes de mais nada, enfatiza competências cognitivas, começando
pelas finalidades gerais da educação básica, na qual a capacidade de
aprendizagem tem um grande destaque. Revertendo o foco do ensino para
a aprendizagem, se trata de ensinar um conteúdo específico, mas
sobretudo de desenvolver a capacidade de aprendizagem de diferentes
conteúdos por todo o ensino fundamental.
Mais específicamente no que se refere ao ensino médio, nos artigos 35
e 36, a lei explicitamente abre portas para um currículo voltado para
competências e não para conteúdos. Este currículo ou doutrina
curricular tem como referência não mais a disciplina escolar clássica,
mas sim as capacidades que cada uma das disciplinas pode criar nos
alunos. Os conteúdos disciplinares se concebem assim como meios e não
como fins em si mesmos.
Outros pontos desses artigos devem ser destacados. Em primeiro lugar,
a autonomia intelectual, outra maneira de se falar em capacidade de
aprendizagem. Para haver autonomia intelectual é muito importante que
a pessoa saiba como aprender. Em segundo lugar, o conhecimento dos
fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos. E,
vale a pena repetir, trata-se de educação básica, não de educação
profissional.
Em terceiro lugar, a relação entre a teoria e a prática em cada
disciplina do currículo, não só nas disciplinas tradicionalmente
compreendidas como «práticas», mas em todas elas: português, artes
plásticas, química ou matemática. Em quarto lugar, o enorme destaque
para os significados. A LDB é bastante explícita: ao sair do ensino
médio, o aluno deverá ter compreensão do significado das ciências, das
artes e das letras. Ela não diz que ele deverá saber Língua
Portuguesa, mas dominá-la como instrumento de comunicação, exercício
de cidadania e acesso ao conhecimento. Em outros termos, a língua e as
demais linguagens são posicionadas como recursos para constituir
significados.
Foi sob esse cenário doutrinário e legal que o Conselho trabalhou. Mas
há também outras coisas, além da questão legal, que tiveram de ser
levadas em consideração. Uma delas diz respeito ao próprio
desenvolvimento educacional brasileiro.
2. Um novo tipo de jovem
Em primeiro lugar, o aumento contínuo, embora lento, da taxa de
conclusão do ensino fundamental e, ao mesmo tempo, a redução também
contínua da idade média dos concluintes. Este é um indicador muito
seguro de que o esforço para resolver alguns problemas básicos de
qualidade no ensino fundamental (repetência, abandono e evasão)
começou a produzir efeitos. Por exemplo, em 10 anos cresceu em cerca
de 30% o número dos jovens que completam as oito séries do ensino
fundamental em menos tempo. Os jovens equivalentes a estes, 10 anos
atrás, tinham expectativa de permanecer 11 anos no sistema, em vez dos
8 regulares. Atualmente estamos em 9,7 anos.
Quanto mais cedo o aluno terminar a 8ª série, mais disposição ele terá
de buscar o ensino médio. E é por isso que nos próximos 12 anos
estaremos elevando a nossa matrícula no ensino médio em cerca de 11% a
12% ao ano. De 1997 para 1998 isso deve ter significado a incorporação
de quase 800 mil alunos jovens, ou jovens adultos, na primeira série
do ensino médio.
Isto equivale dizer que o ensino médio está dando os primeiros passos
para deixar de ser excludente e começar a incluir um outro tipo de
população. Observe-se, por exemplo, que entre 97 e 98 a taxa líquida
de matrícula aumentou de 25% a pouco mais de 30%, indicadores ainda
muito insatisfatórios, mas que revelam um movimento de expansão
acelerada que se inicia.
Ou seja, apenas um terço dos jovens de 15 a 17 anos consegue chegar à
escola média. Um outro tanto está na escola, mas ainda retido no
ensino fundamental. Isso faz com que a taxa bruta de matrícula no
ensino médio seja de pouco mais de 50%, enquanto no ensino fundamental
a taxa de escolaridade é superior a 95% da faixa etária de 7 a 14 para
uma taxa bruta de bem mais de 100%.
Se quiséssemos escolarizar toda a população até 15 ou 17 anos,
teríamos portanto de incluir quase metade da faixa etária. Se o ensino
fundamental definitivamente deixou de ser um segmento de exclusão no
País, a fratura social deslocou-se assim para o nível médio com um
movimento, porém, que vem de ensino fundamental. Estamos exatamente no
ponto de conversão. É este, e nenhum outro, o momento de se pensar
qual é a escola média que se pode organizar para esta população que
nunca esteve nela.
Este fenômeno é acentuado pela onda de adolescentes brasileiros. O
País teve um pequeno baby boom 15 anos atrás. O Brasil, acostumado a
incorporar um número x de pessoas por ano na faixa adolescente, passou
a incorporar esse x mais 25%. Este fenômeno demográfico deve perdurar
até 2007 e é bom lembrar que o movimento de acréscimo, no ensino
médio, ocorre em momento de globalização econômica, de aumento da
competitividade, de crise de emprego, de crise de empregabilidade, que
incide cruelmente sobre a população jovem. Quem é este jovem que chega
à escola média e estará a ela chegando cada vez mais?
Ele não é mais um «Mauricinho» cuja carreira já havia sido determinada
pela família: terminar o ensino médio, fazer o cursinho e ingressar
numa faculdade. Este jovem tem, sim, o ensino superior no seu projeto
de vida, mas não exclusivamente: precisa do trabalho como estratégia
para continuar os estudos. É um jovem que, de modo geral, já atingiu
nível educacional superior ao de seus pais e, portanto, é capaz de
alcançar significados que a geração anterior de sua família não teve.
E, finalmente, tem de ter autonomia na sua vida, porque vai ganhar a
sua subsistência. Por isso, as exigências que se fazem a este jovem
são muito mais complicadas do que as sofridas pelo outro jovem de
classe média e média alta, incluído no 25% que sempre tiveram acesso
ao ensino médio.
O novo aluno do ensino médio precisa ter um projeto de vida que inclua
o trabalho e a continuidade dos estudos ou, pelo menos, o trabalho.
Ele responde por si mesmo, porque já tem autonomia para isso, mesmo
quando não tem maioridade legal. Muitas vezes também ajuda
economicamente a família e não pode contar com ela para determinadas
decisões que implicam significados adquiridos da escolaridade, porque
seus pais têm um nível escolar inferior. Portanto, é um outro tipo de
jovem, provavelmente mais maduro e mais angustiado; certamente muito
mais vulnerável à necessidade de ganhar dinheiro e com exigências em
relação à ordem jurídica institucional que podem se resolver pela
autonomia, mas também pela repressão...
3. As novas demandas sociais
Outra dimensão que as diretrizes do ensino médio consideram diz
respeito ao que está ocorrendo no mundo do trabalho e no mundo da
prática social, já que, diz a lei, a educação escolar deverá estar
vinculada a ambos. As mudanças em curso na organização do trabalho
deixam muitos educadores atônitos em relação ao perfil de habilidades
e de competências. O que aumenta a possibilidade de empregabilidade no
mundo de hoje é a ênfase nas habilidades básicas e gerais. Têm grande
importância a capacidade de análise, a capacidade de resolver
problemas, a capacidade de tomar decisões e, sobretudo, ter
flexibilidade para continuar aprendendo. Isto mostra, também, a
sintonia da lei com este novo panorama.
Fala-se inclusive em «laborabilidade» em lugar de empregabilidade na
medida em que essas competências constituem na verdade um trabalhador
polivalente que pode, quando bem preparado, ser mais autônomo para
decidir seu percurso no mercado de trabalho.
Destaca-se ainda, no capítulo da contemporaneidade, a questão das
informações. Houve momentos em que se pensou que a Internet, o
hipertexto, os meios de massa, a mídia de modo geral (considerando a
mídia como a integração das formas de acesso à informação)
substituiriam a escola. Há quem ainda defenda isso. Nós, do Conselho
Nacional, pensamos exatamente o oposto: quanto mais fácil o acesso às
informações, tanto mais difícil é construir significados sobre elas;
por isso, tanto mais importante é a educação formal.
Quem já não sentiu a angústia de se perguntar: «Qual é o sentido deste
mundo tão complexo e ao mesmo tempo acessível a um simples toque de um
botão?» Quando alguém se faz esta pergunta é por estar percebendo o
risco de perder a visão de conjunto e a capacidade de julgar a
pertinência das informações e conhecimentos veiculados pela mídia. A
escola tenderá a se transformar, cada vez mais, numa ponte de
significados sobre a auto-estrada das informações e dos conhecimentos,
com questões que são muito familiares para nós, que trabalhamos no
cotidiano escolar.
Em primeiro lugar, porque conhecimentos e informações se adquirem
sozinhos, enquanto significados se constróem interagindo com o outro.
E a escola é um espaço de convivência e troca de significados. A
cultura é significado, e nada mais coletivo, como produto, que a
cultura. A comunicação, nesse sentido, é a possibilidade de que muitos
significados circulem e entrem em concorrência em condições de
igualdade.
O professor está hoje sendo levado a parar e entender que não é mais a
única fonte legítima de conhecimento para seu aluno. Talvez este seja
mais hábil e mais rápido para ir à Internet buscar um monte de
informações! Mas enquanto isso acontece fortalece-se o papel que o
professor sempre teve de ajudar o aluno a dar sentido às informações,
avaliando, criticando, compreendendo, julgando a pertinência e
aplicando-as na vida prática.
Isso terá cada vez mais impacto sobre a atividade docente. O professor
não precisa ser a única fonte de conhecimentos para legitimar-se entre
os alunos. Os conhecimentos podem vir da Internet, da televisão, do
vizinho, da prática social, do trabalho. Mas o sentido que esses
conhecimentos podem constituir é uma coisa que esse professor pode e
deve trabalhar. E quem trabalha sentido trabalha linguagem; trabalha a
língua e trabalha as demais linguagens: a linguagem do corpo, da
música, das artes, da informática, como recursos para constituir
sentido, que permitam à pessoa navegar na enxurrada de informações sem
afogar-se.
Apesar de todo o peso das exigências específicas no âmbito do
trabalho, creio que a questão das informações no mundo contemporâneo
talvez seja, do ponto de vista educacional, a mais importante. São
indispensáveis a constituição de sentidos, a negociação de sentidos na
sala da aula e a possibilidade de gerar, nesta sala de aula e na
escola, uma certa inteligência coletiva que negocie sentidos. Não se
trata só de saber química; trata-se de saber para que serve saber
química e qual é o papel dela no mundo de hoje.
No que resultou a reflexão sobre esses aspectos no âmbito da Câmara de
Educação Básica do Conselho Nacional e das inúmeras reuniões, debates,
audiências públicas com a comunidade interessada?
4. As novas diretrizes curriculares para o ensino médio
Em primeiro lugar, as novas diretrizes consideram a questão da
identidade e da diversidade. Nossa proposta é que o ensino médio
supere a dualidade profissional ou acadêmica e adquira uma diversidade
que pode ser mais voltada para o trabalho ou mais acadêmica,
dependendo da clientela. Demos uma interpretação própria para o
mandato da LDB de que o currículo deve ter uma base nacional comum e
uma parte diversificada, esta última de acordo com as exigências da
clientela. Consideramos que a base nacional comum também tem de estar
de acordo com as exigências da clientela. Um currículo não pode
dividir-se em base nacional comum e parte diversificada; ele é um todo
orgânico e vivo pois está em permanente ajuste e mutação.
Destacamos intensamente a preparação básica para o trabalho, que tem
de estar presente na educação básica, de modo a possibilitar escolas
com vocações inteiramente diferentes. Há escolas com mais vocação para
a área biológica, outras para a linguagem ou para ciências exatas e
para as ciências sociais. O currículo vai se organizar em três grandes
áreas de conhecimento, correspondendo exatamente àquelas tradicionais:
• a área das linguagens, seus códigos de apoio e suas tecnologias
• a área das ciências da natureza e suas tecnologias
• a área das ciências humanas e sociais e suas tecnologias.
Afirmar que o currículo será organizado por área de conhecimento não
significa eliminar as disciplinas, mas colocá-las em um permanente
diálogo conforme as afinidades entre elas e delas com os problemas da
realidade que se quer que os alunos compreendam e interpretem para
propor soluções.
Nestas áreas não são descritos conteúdos, mas competências pessoais,
intelectuais e sociais que os alunos deverão adquirir durante o
percurso pelo ensino médio. Não se fixa nenhuma proporção em que as
áreas deverão estar presentes nos currículos. Diz-se apenas que as
três áreas deverão estar representadas, mas não se diz nem em que
proporção. E, sobretudo, não se menciona nenhuma disciplina ou
conteúdo específico em cada área.
Na área de ciências humanas, por exemplo, é possível haver estudos de
direito como é possível haver estudos de sociologia ou de
antropologia, ou de história e geografia. Da mesma forma, na área das
ciências humanas cabem estudos relativos à gestão, à administração e a
outros instrumentos da área, porque são as ciências humanas e suas
tecnologias. Na física e na área de ciências da natureza, localizam-se
os estudos relativos à física, à química e à biologia e seus
desdobramentos de aplicação ou tecnologias. E na área das linguagens
encontram-se todas as disciplinas relativas às linguagens, que vão da
educação física à língua portuguesa.
Procuramos traçar dois princípios com o objetivo de facilitar às
escolas o trabalho de organização de seus currículos. O primeiro é o
princípio da interdisciplinaridade, partindo da noção de que as
disciplinas escolares são recortes arbitrários do conhecimento.
Esperamos que comece nas escolas um exercício de solidariedade
didática entre as disciplinas. Dizemos solidariedade didática porque
solidariedade implica boa-vontade. E talvez o primeiro passo para a
interdisciplinaridade seja a boa-vontade, a idéia de desarmar
resistências em relação aos feudos disciplinares.
Obviamente, a interdisciplinaridade pode ser muito mais que uma
solidariedade didática. Quanto mais a pessoa se aprofunda na sua
disciplina, mais percebe as conexões dessa disciplina (como objeto e
como método) com outras áreas de conhecimento. Não se pretende formar
pessoas «desespecializadas» —interdisciplinaridade não significa isso.
Ao contrário, implica domínio para perceber a conexão. E aí a
interdisciplinaridade pode dar-se em níveis muito mais sofisticados.
Isso vai depender, naturalmente, de cada escola.
Nada melhor para promover a interdisciplinaridade do que um projeto de
estudo e um projeto de trabalho. E estranho, sobretudo em escolas
públicas, mas também em escolas privadas, que o projeto seja
considerado uma atividade extracurricular, quando deveria ser parte
integrante do currículo. Projeto é uma forma interessante de integrar
disciplinas, porque significa resolver um problema real ou estudá-lo.
Um projeto de reciclagem do lixo escolar, por exemplo, é
interdisciplinar por sua própria natureza. Em torno dele articulam-se
conhecimentos de política, de sociologia, de psicologia, de geologia,
de geografia, de história, de biologia, de química e de física.
O segundo princípio vem da educação profissional. Em inglês é
conhecido como aprendizagem situada. Em português é chamado de
contextualização do conteúdo. A contextualização tem a ver com a
motivação, conceito fartamente explorado em pedagogia. Motivar o aluno
depende de fazê-lo entender, dar sentido àquilo que aprende. Quando um
professor ensina física, química ou história a um aluno, está
transferindo a ele conhecimentos gerados em outro âmbito que, quando
foram produzidos, com certeza despertaram um encantamento muito
difícil de repetir para o aluno. É quase impossível, quando se ensina
ou se faz a transposição didática desse conhecimento, despertar na
sala de aula o mesmo encantamento de quem fez a descoberta original.
Por essa razão, na transposição didática o processo de invenção
precisa ser reproduzido quase artificialmente para que o aluno possa
aprender significativamente. Um dos recursos para fazer isso é a
contextualização: relacionar o que está sendo ensinado com sua
experiência imediata ou cotidiana. Assim, o aluno poderá perceber que
o ruído de pneu e a freada do carro têm a ver com aquela fórmula sobre
atrito, explicada em aula pelo professor de física. E o aluno fará a
ponte entre a teoria e a prática, como manda a LDB. Um dos contextos
importantes para fazer isso é o da produção de bens e serviços, isto
é, o contexto do trabalho.
Mas não é o único. O novo aluno do ensino médio precisa, por exemplo,
determinar a sua sexualidade e como exercê-la de maneira segura. Ou
precisa, também, decidir se faz dieta ou não e como cuida da sua
saúde; se fuma ou não; se usa droga. Quer saber como conviver com a
família, como lidar com a questão de já estar avançado em relação ao
nível escolar de seu pai ou de sua mãe. Deve decidir como buscar seu
parceiro ou sua parceira.
Problemas desse tipo, concretamente enfrentados pelos jovens, desenham
contextos que dependem das características e exigências da clientela.
É na contextualização que se ausculta, portanto, como trabalhar os
conteúdos de modo a que o aluno dê aos mesmos um sentido prático. É
claro que há grandes diferenças nos contextos cujos conteúdos devem
ser trabalhados numa escola particular, de classe média alta, e numa
escola noturna, de bairro da periferia.
5. Ensino médio, base nacional comum e educação profissional
A base nacional comum se garante pelas competências estabelecidas em
cada área de conhecimento pelas quais o currículo do ensino médio
deverá ser organizado. Os conteúdos são o apoio das competências.
Pretende-se que todos saiam do ensino médio com a capacidade de
analisar uma tendência de dados, por exemplo, e de transformar uma
tendência quantitativa numa análise qualitativa. Não importa se esse
dado refere-se à dilatação do metal submetido ao calor ou a tendência
dos votos na próxima eleição. A habilidade cognitiva que está em jogo
é similar. Desse modo, a contextualização e a interdisciplinaridade
permitem cumprir nas diretrizes aquilo que a LDB prescreve: o ensino
médio é a etapa final da educação básica. Portanto, a idéia de um
ensino médio com opções profissionalizantes, tal como conhecemos hoje,
não é mais possível.
A lei, embora bastante flexível, é rígida em três pontos no que se
refere ao ensino médio: mínimo de 3 anos, 2.400 horas, 800 horas por
ano e 200 dias letivos anuais. Este ensino médio é de educação básica
e inclui a preparação básica para o trabalho, entendendo-a, se for o
caso, como todos os estudos de base necessários para uma futura
formação profissional, seja ela de nível técnico ou superior. Todos ou
pelo menos uma parte importante, inclusive pelo aproveitamento de
estudos.
No entanto, o ensino profissional que prepara para um posto de
trabalho ou uma carreira específica não cabe nas 2.400 horas do ensino
médio e, por isso, terá de ser adicional, se for concomitante. Ou terá
de ser posterior. Significa isso que as habilidades específicas de um
curso de enfermagem deverão estar sendo ministradas fora das 2.400
horas. Mas toda a base necessária para ser enfermeiro de biologia,
laboratório de química entre outras, poderá e deverá ser trabalhada no
contexto da saúde num curso de nível médio, como preparação básica
para o trabalho, sem falar nas questões de relações humanas e
convivência, essenciais no exercício da profissão de enfermagem.
6. Diretrizes curriculares e proposta pedagógica
Finalmente, vale registrar que a Câmara de Educação Básica considera
que uma proposta curricular como esta não convive com uma gestão
centralizada. Por isso, deve-se considerar a questão da autonomia da
escola e da proposta pedagógica. A nova direção terá de ir no sentido
de permitir à escola armar seu currículo, recortando, dentro das áreas
de conhecimento, os conteúdos que lhe convêm para a formação daquelas
competências que estão explicitadas nas diretrizes curriculares. Deve
poder trabalhar esse conteúdo nos contextos que lhe parecerem
necessários, considerando o tipo de clientela que atende, a região em
que está inserida e outros aspectos locais relevantes.
A proposta pedagógica e a autonomia da escola são condições para a
sobrevivência de um paradigma curricular como este: no fundo, o que
procura fazer é cruzar princípios éticos, estéticos e políticos que
estão na lei (princípios que no parecer são tidos como a estética da
sensibilidade, a política da igualdade e a ética da autonomia) com
conteúdos curriculares. E expressá-los em termos das competências dos
alunos. Não é um paradigma curricular novo. Nada disto é grande
novidade: boas escolas, privadas ou públicas, já fazem trabalhos
bastante sintonizados com este paradigma curricular, ainda que não
lhes deêm os mesmos nomes.
Nosso grande desafio daqui em diante será a implementação desse
currículo e das formas de organização que ele requer das escolas e
sistemas de ensino. Isso vai demandar a solução de vários problemas
bastante complexos. Em primeiro lugar, o do financiamento do ensino
médio, cuja discussão transcende os limites desta apresentação.
Além disso teremos que criar e produzir materiais para os alunos e
para apoio pedagógico aos professores, que produzam uma verdadeira
capacitação em serviço destes últimos, articulada a programas de
educação continuada. E pensar, a longo prazo, na sustentação técnica
da reforma, que vai exigir um sistema de formação inicial de
professores sintonizado com seus princípios e paradigmas

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