domingo, 2 de novembro de 2008

Criminologia MODELOS DE CUNHO BIOLÓGICO

MODELOS DE CUNHO BIOLÓGICO ("BIOLOGICISTAS") - PARTE VIII
22/12/2007 - 09:00
Colaborador(a): patricia

Visando a divulgar a moderna Criminologia no Brasil, passamos a publicar nesta seção alguns trechos do livro Criminologia, de autoria de Antonio García-Pablos de Molina e do Dr. Luiz Flávio Gomes (5.ed.rev. e atual.- São Paulo: Revista dos Tribinais, 2007.

h) Genética criminal: hereditariedade e delito. Genealogias criminais e estatística familiar. Estudos sobre gêmeos e adoção. Malformações cromossômicas e comportamento criminal[89]
Os progressos da Genética suscitaram pronto os inevitáveis problemas da "hereditariedade criminal"; vejamos, assim, quais são os fatores hereditários e como influenciam na conduta delitiva.
O significativo percentual de pessoas unidas por um parentesco consangüíneo dentre os enfermos mentais e a presença de um gravame hereditário doentio ou degenerativo muito superior em pessoas delinqüentes que nas não-delinqüentes (hereditariedade pejorativa) foram dois dados estatisticamente comprovados que ensejaram numerosas investigações científicas.[90]
Ainda que nem todos os componentes biológicos possam ser imputados à hereditariedade (existem conhecidos fenômenos de "mutações genéticas" e de "rebeliões contra a identidade"),[91] os estudos que veremos a seguir sublinham a importância da "carga hereditária".
Os âmbitos de preferência da Genética Criminal são: os estudos sobre "famílias criminais" (famílias com descendentes delinqüentes), sobre gêmeos e adoção e as investigações sobre anomalias cromossômicas.
1. Famílias com descendentes delinqüentes ("Famílias Criminais"): Genealogias de delinqüentes.[92] Cuida-se, na verdade, mais de "linhas de descendência" do que de "árvores genealógicas" completas, já que estas investigações costumam acompanhar a descendência de uma só linha, deixando de considerar o influxo hereditário dos demais descendentes. Cabe citar, como exemplo, os estudos sobre "famílias criminais" de Lund, Despiner, Göring; ou o acompanhamento que da família Juke fizera Dugdale, ou o da família Viktoria, por Monkemoller, ou o da família Kallikak, por Goddard etc.
Nestes trabalhos pretenderam dar confirmação às teorias hereditárias, já que não era fácil explicar de outro modo a elevada taxa de criminalidade dentre os descendentes de uma mesma família, índice suficientemente significativo para não imputá-lo, sem mais, a fatores externos ou ambientais.
Sem embargo, tais investigações não demonstram que a degeneração, transmitida por via hereditária, seja a causa da criminalidade: os altos índices desta, verificados em alguns grupos familiares ou clãs, explicam-se facilmente por distintas razões. De outro lado, o fato de que famílias socialmente "qualificadas" produzam delinqüentes, enquanto membros de famílias "indesejáveis" se adaptem às exigências comunitárias, parece desmentir a hipótese comentada. Outra objeção que se apresenta às genealogias de delinqüentes – e com razão – consiste na falta de representatividade da amostra que utilizam e na impossibilidade de generalizar seus resultados; assim como no fato de imputar exclusivamente à hereditariedade o que é produto de uma complexa interação de fatores (dentre outros, a aprendizagem, a influência do meio etc.).[93]
A moderna Estatística Familiar (Lund, Göring, Conrad etc.) emprega outras técnicas de controle e comparação metodologicamente mais adequadas para assegurar a confiabilidade de suas investigações.
Das investigações mais conhecidas destaca-se a de Lund, que observou que a proporção de delinqüentes condenados por delitos graves é maior dentre aqueles cujos pais também foram delinqüentes. Também a de Bernhardt, que dividiu os delinqüentes examinados em dois grupos: aqueles cujos pais não eram delinqüentes, porém seus avós ou outros ascendentes o eram e aqueles que careciam de ascendentes delinqüentes, observando que, no primeiro grupo, a proporção de irmãos delinqüentes era o dobro que no segundo grupo.[94] Cabe ainda citar Kuttner e Ernest, cujos trabalhos cuidam não da criminalidade dos pais do delinqüente, senão da dos seus filhos.[95]
2. Estudos sobre gêmeos.[96] Operam com dois dados fundamentais: a maior ou menor semelhança da carga genética (gêmeos univitelinos ou idênticos ou gêmeos bivitelinos ou fraternos) e os índices de coincidência criminal verificados nos respectivos casos. Os estudos sobre esta matéria incrementaram-se a partir da obra de Lange (El delito como destino),[97] sendo que os mais conhecidos são os de Stumpel,[98] Exner, Christiansen, Ensenck.
Os gêmeos univitelinos (idênticos) ou unizigóticos (identical twins) são produto da fertilização de um mesmo óvulo e têm idêntico genótipo; os bivitelinos (fraternos) ou bizigóticos procedem da fertilização simultânea de dois óvulos (fraternal twins). Lange, em 1929, tratou de comprovar quando um dos irmãos demonstrou sua predisposição delitiva, o que sucedia com o outro, cuja carga hereditária era idêntica. Semelhante ponto de partida adotam outras investigações que, como a de Lange, alcançou os mesmos resultados: uma clara coincidência na trajetória dos gêmeos, ambos seriam delinqüentes. Mas com a seguinte particularidade: os índices de concordância eram muito inferiores nos gêmeos bivitelinos ou bizigóticos.
Desde a tese fatalista inicial de Lange à mais recente e aprofundada de Christiansen,[99] a Genética Criminal experimentou uma evolução sensível, assumindo pouco a pouco a tese de que a hereditariedade da predisposição delitiva é um problema mais complexo. De fato, os trabalhos posteriores[100] fornecem índices de concordância cada vez menos otimistas e reclamam a ponderação de muitas outras variáveis (especialmente ambientais).
Mais ainda: tudo parece indicar que é necessário discriminar a incidência do fator genético conforme a modalidade da infração delitiva – foram verificados, por exemplo, índices muito superiores de concordância criminal em delitos sexuais que em delitos contra o patrimônio.[101]
Uma exacerbação da relevância do fator genético simplifica o problema, mas esquece, como bem disse García Andrade, que o homem não é só hereditariedade, senão história.[102]
89. Sobre "hereditariedade criminal", vide García-Pablos, A. Tratado de Criminología, cit., p. 481 e ss. (bibliografia na nota 1).
90. Neste sentido, Rodríguez Manzanera, L. Criminología, cit., p. 299 "hereditariedade pejorativa").
91. Vide García-Pablos, A. Tratado de Criminología, cit., p. 482, nota 3.
92. Vide uma ampla resenha em Exner, F. Biología Criminal, cit., p. 213 e ss.; Mannheim, H. Comparative Criminology, cit., I, p. 228 e ss.; García-Pablos, A. Tratado de Criminología, cit., p. 483 e ss.; Siegel, L. J. Criminology, cit., p. 128 e ss.
93. Criticando a metodologia das investigações iniciais: Sutherland, E. Principles of Criminology, 1934, Chicago-Phyladelphia, p. 764 e ss.; Exner, F. Biología criminal, cit., p. 212; Mannheim, H. Comparative Criminology, cit., I, p. 229.
94. Sobre os trabalhos de Lund e Bernhardt, vide Hurwitz, St. Criminología, p. 84 e ss. e 90 e ss.
95. Sobre as investigações de Kuttner e Ernest, vide Exner, F. Biología criminal, cit., p. 223-224; cf. 96. Uma referência bibliográfica sobre o tema em García-Pablos, A. Tratado de Criminología, cit., p. 486, nota 35; Exner, F. Biología criminal, cit., p. 229 e ss.; Mannheim, H. Comparative Criminology, cit., I, p. 222 e ss.; Rodríguez Manzanera, L. Criminology, cit., p. 301 e ss.; Schneider, H. J. Kriminologie, cit., p. 370 e ss.
97. Lange, J. Verbrechen als Schiksal: Studien an Kriminellen Zwillingen.
98. Stumpel, F. Ursprünge des Verbrechens; Exner, F. Biología criminal, cit., p. 229 e ss. (que revisou todas as investigações realizadas até então); Christiansen, K. O. "Seriousness of criminality and concordance among Danish twins", em Crime, Criminology and Public Policy, (edit. Hood, R.); Ensenck, Barcelona, Edit. Fontanella; cf. García-Pablos, A. Tratado de Criminología, cit., p. 487-493.
99. Christiansen examinou a totalidade dos gêmeos havidos na Dinamarca, seguindo dados dos registros oficiais, de 1881 a 1910. E, ademais, partiu da população geral para descer, depois, à criminosa. Encontrou um índice de concordância de 35,8% para os univitelinos e de 12,3% para os bivitelinos, sustentando a necessidade de distinguir a relevância do fator genético, segundo a natureza (sexual, patrimonial etc.) da infração e sua gravidade. Cf. García-Pablos, A. Tratado de Criminología, cit., p. 489 e 490.
100. Cf. Hall Williams, J. E. Criminology and criminal justice, p. 30-32; e García-Pablos, A. Tratado de Criminología, cit., referindo-se aos trabalhos de Shufu Yoshimasu, Ensenck, Shah e Roth e Dalgard e Kringlen, p. 490-493.
101. Assim, Ensenck encontrou alguns índices de concordância de 85% na delinqüência juvenil, de 65% em relação ao alcoolismo e de 100% na homossexualidade. Quanto à homossexualidade, coincidem com Ensenck: Kallman, Shields e Slater (100% em gêmeos univitelinos). Cf. Rodríguez Manzanera, L. Criminología, cit., p. 304; Hall Williams, J. E. Criminology and criminal justice, cit., p. 30.
102. García Andrade, J. A. Raíces de la violencia, p. 84. Tudo isso sem menosprezar os casos de "mutações genéticas" e de "rebeliões contra a identidade", detectados em gêmeos univitelinos. Cf. Spencer, J. "Delinquent behavior, some unanswered questions", em Eugenics Review, 1954, p. 29-37.

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