terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Entenda a crise no Egito

Caos no Egito incita tensões no Oriente Médio; entenda

FONTE : FOLHA DE SÃO PAULO

O ditador Hosni Mubarak, há 30 anos no poder, renunciou nesta sexta-feira em concessão aos 18 dias da maior crise política no Egito nas últimas décadas, com centenas de milhares de egípcios nas ruas pedindo por sua queda.
O fim da ditadura egípcia vem menos de um mês após a queda do governo autoritário da Tunísia ser derrubado pela Revolução do Jasmim, que levou a uma onda de protestos no mundo árabe.

A crise teve início quando um tunisiano ateou fogo a si mesmo, soando um alerta à população, principalmente os jovens, que se revoltaram em meio a altas taxas de desemprego, insatisfação com o regime ditatorial e a corrupção que corrói a região, além da ânsia por democracia e liberdade de expressão.

Nos dias que se seguiram países como Iêmen, Mauritânia, Jordânia e Argélia registraram outros casos de autoimolações, além de violentos protestos exigindo a queda de seus respectivos governantes e reformas imediatas.

Mas foi no Egito, país de importância geopolítica crucial para a região, que os protestos ganharam mais força.
Há mais de duas semanas manifestantes se concentram sobretudo na praça Tahrir, no centro do Cairo, exigindo a saída imediata de Mubarak.

O ditador resiste há 17 dias aos protestos que reúnem milhares de egípcios nas ruas de Cairo e de outras cidades. Os manifestantes exigem reformas democráticas e criticam o alto desemprego e pobreza durante o governo de mão de ferro de Mubarak.

Em uma tentativa de acalmar os manifestantes, Mubarak anunciou dias atrás que não concorrerá às eleições presidenciais de setembro próximo, mas alertou que ficaria no poder até lá para evitar o "caos" no país. Ele mandou ainda seu vice, Omar Suleiman, negociar com a oposição --oferta que foi rejeitada. Os manifestantes exigem que ele deixe o poder antes de iniciar qualquer diálogo.

As declarações causaram grande comoção na praça Tahrir, epicentro dos protestos, onde milhares celebraram uma possível vitória. Diante da comoção, funcionários do governo foram à imprensa negar os boatos e dizer que Mubarak permanece na Presidência.

Embora inicialmente tenham mantido uma postura mais distanciada, os EUA gradativamente aumentaram o tom ao comentar a crise egípcia.

A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, destacou logo nos primeiros dias que Washington apoiava "uma transição ordenada" de poder no país.

O presidente, Barack Obama, deixou claro que seu governo apoia um regime democrático no Egito, mas que as reformas necessárias não podem ter ingerência dos EUA e que o povo e o governo egípcios precisam chegar a soluções de forma autônoma.

Dias depois reviu sua postura ao defender, após conversa por telefone com Mubarak, que a transição deveria começar imediatamente. Um pedido aberto de renúncia ao aliado americano, no entanto, não foi feito por nenhum membro do alto escalão de Washington.


Dia 9/02/2011, um dia antes do anúncio do pronunciamento de Mubarak, o vice-presidente americano, Joe Biden, aumentou o tom em conversas com seu colega egípcio, Omar Suleiman, exigindo o fim imediato do estado de emergência no país, em vigor há mais de 30 anos.

Também na quarta-feira o governo Obama foi criticado por republicanos e democratas no Congresso dos EUA pelo desempenho nas crises que atingem a região, com destaque à Tunísia e ao Egito. Os parlamentares julgaram as atitudes de Washington para apoiar as reformas democráticas nos dois países árabes como insuficientes e fracassadas.

"Tanto no Egito quanto no Líbano fracassamos em levar de forma efetiva a ajuda americana para apoiar as forças de paz, pró-democráticas e ajudar a construir instituições fortes, confiáveis, como um baluarte contra a instabilidade que agora se espalha para grande parte da região", disse a representante republicana Ileana Ros-Lehtinen durante audiência no Comitê de Relações Estrangeiras do Congresso, que ela preside.

"Ao invés de sermos proativos, ficamos obcecados com a manutenção de uma estabilidade de curto prazo, personalista, que nunca foi realmente assim tão estável, como demonstram os acontecimentos das últimas semanas", acrescentou.

REFLEXOS NA REGIÃO

A crise ressoa no Ocidente, já que os EUA têm no Egito seu principal aliado no Oriente Médio, além de despertar reações em Israel e no Irã.
A deterioração da situação política no país tende ainda a incitar a tensão no Oriente Médio.

O premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, rompeu o silêncio inicial e reiterou nesta semana que teme que a revolução no Egito tome um caráter fundamentalista e faça com que o país se torne um "novo Irã". Ele disse ainda que observa a crise com a preocupação de que um potencial novo regime quebre o acordo de paz assinado entre os dois países em 1979.

O Egito reconhece o Estado de Israel e é visto como um aliado estratégico do país hebreu, apesar de no passado as duas nações já terem travado guerras.

Buscando capitalizar as revoltas como uma possível inclinação do Egito ao fundamentalismo islâmico, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, disse que o mundo está prestes a ver "uma grande mudança".

"Estamos à beira de grandes mudanças e a missão que temos hoje é muito mais importante do que há cinco ou 20 anos, e o povo iraniano deve explicar o pensamento divino da revolução e apresentá-lo ao mundo", advertiu.

Analistas temem ainda que os confrontos no Egito possam até contaminar a já extramamente conturbada região entre o norte do país e os territórios palestinos.

A passagem de Rafah, entre o Egito e a faixa de Gaza, chegou a ver tiroteios entre militantes egípcios beduínos e as forças de segurança e ao menos 12 morreram.

A península do Sinai, que já foi alvo de disputa entre israelenses e egípcios, recebeu reforços de soldados do Exército do Egito sob autorização do governo de Israel, que tomou a região durante a guerra com o país em 1967.

O movimento islâmico Hamas, que controla a faixa de Gaza desde 2007, enviou tropas à fronteira logo no início da crise, para evitar que palestinos cruzem à península.

Aliado importante dos EUA na região, o rei Abdullah, da Arábia Saudita, onde Ben Ali estaria exilado, minimizou as revoltas no Egito ao classificá-las como "bagunça".

Durante conversa ao telefone com Mubarak, ele denunciou "intrusos" que estariam "bagunçando a segurança e a estabilidade do Egito (...) em nome da liberdade de expressão".

A Arábia Saudita "apoia com todos os seus recursos os governo e o povo do Egito", destacou Abdullah dias atrás.



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Crise no Egito : Especial da BBC BRASIL



Centenas de milhares de egípcios vão às ruas há mais de uma semana para exigir a saída do presidente Hosni Mubarak, que está no poder há quase 30 anos. Em resposta, o presidente já anunciou que não disputará a reeleição, mas que pretende permanecer no poder até que um sucessor seja escolhido.

A BBC Brasil preparou uma série de perguntas e respostas para ajudar você a entender a crise no Egito.

Quem são os manifestantes e o que eles querem?

Os protestos começaram em 25 de janeiro, quando milhares de egípcios se reuniram na Praça Tahrir, no centro do Cairo, depois de uma mobilização realizada pela internet --inspirada no levante da Tunísia-- conclamando um "dia de revolta". A polícia respondeu com gás lacrimogêneo e jatos d'água, mas os manifestantes continuaram no local.
Desde então, protestos em massa têm sido realizados nas principais cidades egípcias --além do Cairo, Alexandria, Suez e Ismaília-- desafiando os toques de recolher impostos pelo governo.

Os protestos foram em sua maioria pacíficos, mas a ONU estima que cerca de 300 pessoas já morreram em confrontos relacionados às manifestações.

Os manifestantes exigem a saída imediata de Mubarak. As multidões acusam o governo de repressão, fraudes eleitorais, corrupção e de ser responsável pela pobreza e pelo desemprego no país. Os participantes também querem garantias de que o filho de Mubarak, Gamal, não será o próximo presidente.


Como Mubarak respondeu?


O presidente foi à televisão na terça-feira, dia 1º, afirmando que não disputará a reeleição no pleito marcado para setembro de 2011. Ele disse que dedicará o resto de seu mandato para garantir uma transição pacífica para seu sucessor.

Mubarak disse ter se oferecido para encontros com todos os partidos políticos, mas alguns deles teriam se recusado a dialogar.

Em seu primeiro discurso após o início dos protestos, feito no dia 28, ele anunciou a demissão de seu gabinete de governo, empossando Ahmed Shafiq como novo primeiro-ministro e Omar Suleiman, ex-chefe da inteligência egípcia, como vice-presidente --cargo que nunca antes havia sido ocupado durante o regime.


Mubarak designou publicamente Shafiq para implementar reformas democráticas e medidas para aumentar o nível de emprego. O presidente também determinou que o novo gabinete - cujos membros ainda não foram nomeados - combata a corrupção e restaure a confiança na economia.

No dia 30, em uma aparente demonstração de força, jatos da Força Aérea egípcia sobrevoaram a Praça Tahrir, onde era realizado mais um protesto. Helicópteros, tanques e blindados também circularam pela cidade, enquanto o acesso à internet foi bloqueado.



Quem são os outros personagens principais?

Não existe uma figura que centralize e lidere a oposição contra Mubarak. Os manifestantes representam uma fatia ampla da sociedade egípcia, dos mais jovens aos mais velhos, dos mais ricos aos mais pobres, seculares e religiosos.

Mohammed ElBaradei, ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e vencedor do Nobel da Paz, surgiu como um potencial porta-voz da coalizão de movimentos de oposição. Líderes de diferentes grupos teriam iniciado negociações para chegar a uma estratégia comum.

A Irmandade Muçulmana, maior e mais organizado grupo de oposição no Egito, tem se mantido em uma posição discreta durante os protestos, por temor de sofrer retaliações por parte do governo.

Analistas acreditam que as Forças Armadas egípcias sejam um fator decisivo na crise. Até agora, Mubarak - um ex-comandante da Força Aérea - tem o apoio dos militares. No entanto, se os protestos se intensificarem, acredita-se que oficiais de alta patente possam pedir que o presidente deixe o poder.


O que está em jogo?

O Egito é conhecido como um al-dunya, ou "mãe do mundo" em árabe. O que acontece no Cairo tem efeitos decisivos em todo o Oriente Médio.

Desde que chegou ao poder, em 1981, Mubarak tem sido uma figura central na política da região e um importante aliado dos países ocidentais. O Egito é um dos dois únicos países árabes --além da Jordânia-- a ter tratados de paz com Israel.
Se o levante egípcio se transformar em uma revolução, isto pode significar um golpe para o já enfraquecido processo de paz no Oriente Médio e disparar alarmes em outros regimes autocráticos no mundo árabe, dizem analistas.

Há o temor de que extremistas possam aproveitar o vácuo político ou de que grupos islâmicos como a Irmandade Muçulmana cheguem ao poder por meio de eleições livres.

A crise no Egito também tem efeitos nos mercados globais. Os valores das ações caíram nas principais bolsas do mundo, e o preço do petróleo atingiu o valor mais alto em dois anos.

Como a comunidade internacional tem reagido aos protestos?

A pressão internacional está se encaminhando para algum tipo de resolução. Os Estados Unidos, responsáveis por bilhões de dólares em ajuda para o Egito, por pouco não admitiram abertamente que querem a saída de Mubarak.

Em vez disso, o presidente americano, Barack Obama, e a secretária de Estado, Hillary Clinton, pediram uma "transição ordenada" para uma democracia no Egito.

Enquanto isto, líderes da ONU, da Grã-Bretanha, da França e da Alemanha pediram a Mubarak que evite a violência e realize as reformas enquanto os protestos continuem.

Obama manteve contatos com chefes de Estado e de governo como o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, o rei da Arábia Saudita, Abdullah, e o primeiro-ministro britânico, David Cameron.



O que deve acontecer agora?

Não há sinal de que os protestos possam acabar, e a maioria dos observadores afirmam que os dias de Mubarak como presidente estão contados.

Vários grupos de oposição estão se oferecendo para negociar com o governo, mas apenas depois que Mubarak sair do poder.

No entanto, o presidente parece estar calculando que pode sair com um saldo positivo da crise e que as suas concessões dividirão os opositores.

O Exército, instituição chave no Egito, indicou que protestos pacíficos serão tolerados e que os seus participantes não serão combatidos.


Revolução, anestesia e incertezas
Clóvis Rossi  janela para o mundo 08/02/2011 Folha SP



O governo egípcio, pela voz do vice-presidente Omar Suleiman, a nova cara da ditadura, está dando por iniciada a transição --e com Mubarak-- ao anunciar a criação de comissões para a reforma da Constituição e até um cronograma para a chegar à democracia.

Se vai funcionar ou não, está por se ver. Na sexta-feira, conforme reportagem desse excelente Samy Adghirni que a Folha despachou para o Cairo, o movimento já dava sinais de cansaço.

Natural: a fila anda (ou a vida continua, escolha a sua frase preferida) e as pessoas têm que continuar sua luta diária para pôr o pão pita na mesa da família.

Não há, pelo menos não no Egito, revolucionários profissionais. Há, sim, anti-revolucionários profissionais, pagos pelo regime, o que complica ainda mais as coisas.

Mesmo assim, nesta terça-feira, a praça Tahrir, uma espécie de QG revolucionário a céu aberto, permanecia lotada. A BBC diz que é a maior manifestação desde o início do movimento.

Ajuda a explicar a tentativa de anestesia, seja qual for a ótica pela qual se olhe. Pelo lado do regime, trata-se, como é óbvio, de ganhar tempo para fazer aumentar o cansaço dos manifestantes e, por extensão, tirar ou reduzir a pressão vinda da rua. Não está funcionando mas é o único movimento possível, fora um banho de sangue.

Pelo lado da parte politicamente estruturada da oposição, para dizer de alguma forma, o que já foi conquistado parece importante embora insuficiente. A desistência de Hosni Mubarak de disputar em setembro mais um mandato e a retirada de seu filho Gamal da lista de eventuais candidatos é o triunfo da revolução, mas em "slow motion".

Depois do ímpeto que alcançaram as manifestações, parece que a rua quer pressionar o "fast forward". A ver.

De parte dos Estados Unidos, as mensagens emitidas são contraditórias. O enviado especial de Obama, Frank Wisner, disse que a transição deveria dar-se com Mubarak. Houve desmentidos posteriores, mas o regime egípcio não os levou em consideração. Afinal, é pouco razoável que o enviado especial de um governo dê palpites pessoais, em vez de oficiais, mais ainda em uma conjuntura volátil como esta e em uma região permanentemente volátil como é o Oriente Médio.

O presidente Barack Obama voltou ao mantra de "transição agora", que é muito simpático, pelo menos para o meu gosto, mas também algo irrealista.

Para quem entregar as chaves do Palácio? A oposição não tem um líder que seja plenamente aceito pelos diferentes grupos e menos ainda pelos jovens que lançaram e continuam liderando os protestos.

A Europa, por sua vez, está completamente tonta, sem saber direito o que fazer, em um momento em que "seu futuro está em jogo", segundo um dos acadêmicos mais ouvidos no continente, Timothy Garton Ash, em artigo para "El País".

Esse catedrático de Estudos Europeus da Universidade de Oxford lembra: "O arco em que se está produzindo a crise árabe, desde o Marrocos até a Jordânia, é o vizinho do lado da Europa. E decênios de migrações fazem com que os jovens árabes que gritam irados nas ruas do Cairo, Túnis e Amã tenham primos em Madri, Paris e Londres".

Pode-se gostar ou não das posições europeia e norte-americana (ou da ausência delas), mas é forçoso reconhecer que o Ocidente está diante do que o jornalista francês Jean-Marie Colombani, ex-chefe de redação do "Monde", chama de "contradição fundamental" suscitada pelos acontecimentos: "De um lado, o tripé autoritarismo-estabilidade-garantia dos equilíbrios internacionais; do outro, liberdade, coerência de valores e incertezas".

Está diante também de algo que o mais famoso colunista norte-americano, Thomas Friedman, confessa na coluna do "New York Times" de terça-feira jamais ter visto em seus 40 anos escrevendo sobre Oriente Médio. Friedman foi correspondente primeiro em Beirute, depois em Jerusalém, périplo que resultou no livro "De Beirute a Jerusalém", indispensável para qualquer um que queira ser jornalista mas também para quem queira entender melhor uma região extremamente complexa.

Esse ineditismo abre, como é óbvio, o espaço para a incerteza apontada por Colombani. Mas, já que as certezas oferecidas pelos autoritarismos estão ruindo, viva a incerteza.

Afinal, como escreveu nesta terça-feira para "El País" o filósofo francês André Glucksmann: "Jamais deve-se lamentar a queda de um tirano".

Quanto ao ritmo da transição, cito de novo Glucksmann: "Levemos em conta que, no Egito, há cerca de 40% de mortos de fome e uns 30% de analfabetos. Isso faz com que a democracia seja difícil e frágil, mas não impossível, porque, caso contrário, os parisienses não teriam jamais tomado a Bastilha".

Bingo.

Um comentário:

Naíara Boschetti disse...

obrigado,tinha q fazer um trabalho sobre isso e me ajudou muito,acho q poderiam resolver isso de outra maneira sem violencia mais o ser humano parece naum saber com é uma conversa civilizada