quarta-feira, 3 de novembro de 2010

“Intolerancia- a violência do preconceito” Anita Novinsky

“Intolerancia- a violência do preconceito” Anita Novinsky



Em primeiro lugar eu queria agradecer a Miriam Halpern Goldstein o convite que me fez para eu vir dizer-lhes algumas palavras neste encontro sobre “Psicanálise e Educação: prevenção da Violência”, e parabenizo seus organizadores em se deterem em uma das questões das mais cruciais de nosso tempo: a educação e a violência. Aceitei este convite, apesar de não ser psicanalista, porque tenho profundos vínculos com a Psicanálise, pois durante meu curso de Filosofia, na Universidade de São Paulo, Psicanálise era matéria obrigatória durante quatro anos. E também porque Educação é um módulo prioritário no Laboratório de Estudos sobre a Intolerância, o qual presido.

O que é importante hoje na área das Ciências Humanas é a interdisciplinaridade. Buscar na psicanálise respostas para determinados fenômenos sociais, como o racismo, a intolerância, o anatismo, me parece de extrema relevância. Talvez as teorias freudianas possam trazer alguma luz e ampliar os métodos tradicionais do historiador, quer se trate da “caça ás bruxas”, êxtases místicos, movimentos messiânicos, mitos nacionais ou práticas educacionais.

A psico história também tem colocado em evidência em evidência novas questões e nos oferece possibilidades para a interpretação da diversidade do comportamento humano. Não esqueçamos as palavras de Marc Bloch “fatos históricos são antes de tudo fatos psicológicos”.

O século XXI parece continuar a longa trajetória histórica marcada pela violência das Cruzadas, pelo extermínio do Novo Mundo, pelo genocídio dos armênios, o terror da Inquisição, o holocausto dos judeus.

A violência, planejada e organizada cientificamente mostrou que a modernização abriu uma nova possibilidade, uma nova aliança entre racionalidade e barbárie. Como escreveu George Steiner, um dos grandes críticos de nossa cultura, Professor da Universidade de Cambridge, o século XX foi o teatro de uma representação gloriosa de todo potencial da barbárie, contido na ciência moderna. O homem desumanizado foi uma criação do século XX. Bosh podia ter pintado o Apocalipse, mas nunca poderia ter imaginado as câmaras de gás.

É preciso conhecer os problemas chaves do mundo atual, para não cairmos, como diz Edgar Morin na “imbecilidade cognitiva”. Nesta era planetária em que vivemos é preciso situar todos os acontecimentos no contexto planetário. Conhecer o mundo é hoje uma necessidade vital do intelectual.

Gürgen Habermas e o saudoso Jacques Derrida, encontraram-se em Nova Yorque, para um debate sobre o sentido do 11 de setembro. E lembraram que o sistema político que estrutura a legislação internacional e as diversas instituições hoje, nasceu da herança da filosofia ocidental, fundada sobre a Ilustração. As soluções tradicionais se mostram insuficientes para resolverem problemas como o racismo, o preconceito e o anti-semitismo, cujo recrudescimento alcança hoje um nível mundial, e cujas conseqüências são imprevisíveis. Temos a responsabilidade de procurar entender o “significado” de 11 de setembro, como acontecimento, como influência sobre nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. 11 de Setembro levou-nos a examinar os ideais da Ilustração e os valores que herdamos de nossa civilização ocidental.

Como escreveu Hannah Arendt nós não somos sós no mundo, não podemos nos reconciliar com a variedade do gênero humano e com as diferenças entre os homens, a não ser tomando consciência do fato de que “são os homens e não o homem que habitam a face da terra”.

A catástrofe durante a segunda guerra mundial, que abalou de maneira indelével a consciência dos homens da minha geração, levou a investigações novas. Após a Ilustração, após os gritos de igualdade e fraternidade, depois da independência das nações longamente subjugadas,, depois da renovação científica do século XX, e dos progressos da vida material, como explicar o extermínio de pacíficos cidadãos, donas de casa, adolescentes, bebês de colo, ciganos, homossexuais ou fisicamente defeituosos? Como foi que a tradição humanista européia foi incapaz de evitar o mal total? Como foi que a humanidade permaneceu silenciosa, enquanto um milhão e meio de crianças eram asfixiadas em câmaras de gás?

Os grandes estadistas aliados; Roosevelt, Churchil, e outros, lutaram para vencer a guerra e para não serem engolidos pela política nazista, mas não lutaram para evitar o massacre de milhões de criaturas humanas.

Estudos sociológicos e psicanalíticos têm procurado entender o “por que” dessa agressividade, que cremos, é em grande parte, fruto da educação. A segunda grande guerra levou a revisão de diversas teorias sobre as civilizações.

É preciso ver como se educa e como se cria uma criança. O essencial não é tanto o que se ensina a uma criança, mas como a “tratamos”. É esse tratamento que vai determinar que espécie de ser humano essa criança vai ser.

Para Theodor Adorno de nada vale nossa luta, para vencermos a guerra e a agressividade, se não modificarmos todo nosso sistema educacional. Para mudar o curso da história e evitar reincidências, devemos nos concentrar na educação. Em primeiro lugar, é a educação infantil que precisamos observar. E, em segundo lugar, esclarecer, fazer todos os cidadãos entenderem os motivos que levaram ao horror, que têm de se tornar conscientes. É necessário uma enorme força de reflexão e auto determinação para não participarmos da mentalidade dos algozes. Não podemos mais omitir-nos no confronto com o horror, que seria uma nova fonte de risco.

Durante séculos, o ódio ao diferente foi chamado de religião. O poder da religião legitimava a guerra e as perseguições. Com a modernidade, pensamos que as guerras de religião haviam declinado que eram coisa do passado. Mas, surpreendentemente, os conflitos de religião recrudesceram neste novo milênio.

Pensávamos também que a idade da razão seria a idade da tolerância. Mas, este sonho também fracassou. A razão não tomou o lugar de Deus. Novos credos, novas seitas e fanatismos estão revivendo e se espalhando por todas as regiões do planeta.

O mais sanguinário de todos os anatismos, talvez seja o nacionalismo. O “culto da nação”, foi o mais efetivo meio para mobilizar o ódio, no século XX, numa intensidade, que o mundo jamais conheceu. Mas, como escreveu Adorno, a barbárie subsistirá, enquanto as condições que a produziram, perdurarem. E vemos hoje nacionalismos chauvinistas serem incutidos nas novas gerações.

Há um fato que Adorno também considera aterrador: a estrutura básica da sociedade, as características da sociedade que induziram a Auschuwitz, são hoje, 60 anos depois, as mesmas. Podemos buscar as razões do genocídio desde o século XIX, na ressurreição do nacionalismo agressivo. Como lutar contra certas forças que estão inseridas na marcha da história?

É na educação que devemos colocar nossas maiores esperanças, sem contudo esquecer, que uma educação autoritária, repressiva, carente de afeto, pode levar as mesmas barbáries que a extrema ignorância.

Não esqueçamos ainda que, do país mais culto da Europa, a Alemanha, saiu o exemplo da mais total crueldade, jamais antes experimentada nas sociedades humanas. Adorno analisa os monstros nazistas que eram delinqüentes, mostrando que seu consciente era “coisificado”. Essa “consciência coisificada”, diz ainda Adorno, tem relação com a técnica. O mundo da tecnologia ocupa hoje uma posição chave e produz pessoas tecnológicas, afinadas com a tecnologia. Os meios são fetichizados, porque as verdadeiras finalidades são encobertas e arrancadas do consciente humano. O tipo de pessoas que tendem para a fetichização tecnológica, diz ainda o psicanalista, são pessoas incapazes de amar, pessoas essencialmente frias. O que sobrevive nelas são as cousas materiais. O amor é absorvido pelos objetos, pelas máquinas. Essa tendência está ligada a toda nossa civilização, e combate-la é difícil, pois significa opor-se ao espírito do mundo.

Todas as pessoas, hoje, sem exceção, sentem-se mal amadas, porque elas próprias não são capazes de amar suficientemente. Essa incapacidade de identificação, explica Adorno, é a principal condição psicológica para que Auschuwitz pudesse acontecer, no meio de uma coletividade relativamente “civilizada”. A falta que existe de amor é uma falta de todos nós, sem exceção. O cristianismo quis eliminar essa frieza, mas a experiência fracassou. Para combater essa frieza de que fala Adorno é preciso antes de tudo entender as condições que a causaram e depois, combate-la no plano individual.

Talvez, o calor humano, pensa Adorno, nunca tenha existido. Como psicanalista e filósofo, considera que uma ordem social digna do ser humano, só é possível se os impulsos humanos deixarem de ser reprimidos.

Para combater essa frieza, de que fala Adorno, é preciso antes de tudo, entender as condições que a causaram e depois, combate-la no plano individual.

Aí é que Adorno nos leva à criança. Quanto melhor forem tratadas as crianças, quanto menos for negado à criança, mais chances teremos de suprimir o mal.

É interessante um estudo feito por David Levy sobre os alemães que eram anti-nazistas. Levy encontrou a diferença entre os nazis e anti- nazis nas experiências da infância. Os alemães brutalizaram a educação. A criança recebe pouca atenção. Durante um jantar, crianças educadas não falam. A mãe raramente interfere quando a criança é punida pelo pai. A mensagem que a criança ouve constantemente é: esteja “limpa e obedeça”. As histórias que os alemães contavam às crianças eram sempre ligadas a pessoas brutais, pessoas queimadas com ferros, cozidas vivas. Muitas das atrocidades dessas histórias foram praticadas pelos nazistas contra os prisioneiros em campos de concentração. É também interessante comparar, que as histórias de fadas dinamarquesas e escandinavas são mais suaves, menos violentas. Será que podemos atribuir à essa atitude a resistência que apresentaram aos nazistas?

Nos estudos de David Levy, ao alemães que se voltaram contra os nazistas tiveram uma educação mais permissiva, menos arbitrária, em geral, mais humana. A punição corporal era mínima, ou ausente. Foi também feito um estudo sobre os alemães que ajudaram a salvar judeus durante o Holocausto. Não eram particularmente religiosos, nem políticos, e tiveram os mesmos contatos com judeus que outros alemães. E o resultado mostrou que havia mais comunicação e afeição entre pais e filhos. Quando perguntaram a um desses alemães por que arriscou sua vida para salvar judeus, ele respondeu que era “cousa decente que se devia fazer”.

Talvez, somente a psicanálise possa nos fazer entender a violência, e as conduções psico-históricas que tornaram possível um regime como o nazista. Filósofos e antropólogos se debruçam hoje sobre a psicanálise para poder entender e explicar determinados acontecimentos mundiais.

Terminada a segunda Guerra Mundial, historiadores perceberam que não podiam dar conta de entender o que se passou realmente, e a Segunda Guerra levou a uma revisão de diversas teorias sobre as civilizações. Uma dessas revisões passou pelos psicanalistas nas suas interpretações freudianas da sociedade.

Hitler lutou em duas guerras simultaneamente: a guerra contra os judeus e a luta contra os aliados. Parece que deu maior atenção emocional á guerra contra os judeus, do que a guerra de fora.isso sugere a discussão psicótica dessa problema, para o que nós não estávamos preparados, nem como psicanalistas, nem como judeus, nem como seres humanos. Nós acreditávamos na limitada expressão da agressão, enquanto que Hitler mostrou-nos que a agressão pode não ter limites.

Cientistas políticos, historiadores oferecem pontos de vista diferentes para explicar o Holocausto e as atrocidades bárbaras do século XX. Mas, levam em geral a ênfase a fatores intra-psíquicos.

Do ponto de vista da formação do desenvolvimento moral perguntamos como um mesmo indivíduo é capaz de gostar de poesia e choras quando ouve Mozart, como tantos alemães, e de outro lado, assassinar crianças sem reconhecer qualquer contradição na sua personalidade?

O psicanalista Martins Waugh escreveu em um artigo que todos os testes psicológicos mostraram que os mais altos oficiais e líderes nazis eram personalidades psicóticas. Mas ele pergunta quem lhe deu a liderança? Quem permitiu que o regime nazista vencesse? Há muitos Hitlers nas esquinas do mundo, então, por que alguns conseguem vencer e outros não? E Waugh responde: só se tornam líderes quando suas mensagens correspondem aos desejos, idéias e sentimentos adormecidos, ou vivos na multidão que o ouve.

Não há dúvida que a psicanálise contribui para a compreensão da barbárie nazi. Oferecem a moldura para entender as condições psico-históricas que formaram o regime, com seu programa destrutivo, possivelmente Hitler agradou psicologicamente a nação alemã. A psicanálise deve encontrar as pré condições psicológicas que contribuem para fazer um indivíduo vulnerável ou invulnerável à propaganda do genocídio. Nesse sentido, Adorno fez um trabalho extraordinário que publicou no seu livro Personalidade Autoritária.

Talvez, a mais importante influência que o Holocausto teve sobre a psicanálise foi apontar uma direção para o futuro.

Nós vivemos ante um problema crucial: a impotência de nossa civilização ocidental de resolver a questão da diversidade humana, o que nos obriga depois de 11 de Setembro a reexaminar as tradições do universalismo e as tensões que o mundo atravessa.

E como desafiar o novo século?

George Steiner repetiu bem, que nós não estamos preparados para o novo século. Quais os recursos que temos para vencer a insanidade que nos acena, o terrorismo, os fundamentalismos, o vendaval de violências? Não encontramos mais salvação nos sonhos messiânicos e os homens podem destruir o ambiente ecológico que permitiu o aparecimento da vida. O fanatismo religioso e os nacionalismos explodem em várias regiões e o mais perigoso, volta a ser ideologia de Estado.

O progresso técnico não levou ao progresso moral. Os sonhos da Ilustração falharam. A crueldade e a violência que presenciamos hoje excedem todo horror que os homens podiam imaginar.

George Steiner, em todos seus cursos formula sempre uma pergunta: por que os humanistas, no sentido mais largo da palavra, por que a razão, a ciência, a arte, a literatura não deram nenhuma proteção diante do desumano?

A experiência passada mostrou que a cultura não basta para garantir a paz e a compreensão entre os povos. As ideologias totalitárias foram primeiro pensadas por filósofos, antes de serem aplicadas por políticos. As armas mais mortíferas foram concebidas e elaboradas por técnicos formados e especializados, antes de serem utilizadas por militares. O gás Zitron B foi estudado por cientistas e fabricado em laboratórios, antes de ser usado para matar milhões de seres humanos.

E fica uma questão sem resposta.

Que arma eficaz possuímos para enfrentar as atrocidades que nos acenam? O saber como mostrou a Alemanha, o país mais culto da Europa não nos pode garantir que vamos vencer.

Se minha mensagem é pessimista, talvez tenha uma fagulha de esperança, que é a educação humanizada. E eu lembro as palavras de um aluno que escreveu ao seu professor: ler, escrever, aritmética são importantes somente se servirem para tornar nossas crianças mais humanas.

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