terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O Euro, um projeto inédito

fonte : www.folhaonline.com.br

Desde 1º de janeiro de 2002, o euro, a nova moeda comum européia, deixou de ser virtual para tornar-se realidade. Três anos depois de ter sido introduzido no mercado financeiro, na condição de moeda abstrata, o euro chegou, finalmente, ao bolso dos consumidores, circulando em 12 países da União Européia: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Portugal, reunidos na chamada zona do euro, ou "Eurolândia". A Dinamarca, a Grã-Bretanha e a Suécia --que, junto com os países da zona do euro, formam a União Européia (UE)-- decidiram ficar de fora da união monetária, mantendo suas moedas nacionais.

Na maior troca monetária já realizada na história, o euro substituiu 12 moedas, tornando-se o meio de pagamento oficial daqueles países. Isso significa que, passado o período de dupla circulação, 12 moedas européias deixaram de existir; é o caso, por exemplo, do marco alemão, uma das moedas mais estáveis do mundo; assim como da dracma grega, cujo nome tem suas origens no século 6 a.C.

A Europa já havia vivido, nos séculos passados, várias uniões monetárias. Em 1863, por exemplo, Napoleão III criou a chamada União Monetária Latina (entre França, Bélgica, Suíça e Itália), visando a estender a hegemonia francesa no continente. Bem mais recente é a união monetária da Alemanha, realizada nas vésperas da Reunificação, em 1990, quando a então socialista Alemanha Oriental, um país falido, passou a adotar o forte marco alemão-ocidental.

O projeto euro, porém, é uma experiência inédita, 'talvez a mais ousada da história econômica dos povos', como definiu a professora Diva Benevides Pinho.1 Nunca uma união monetária reuniu tantos países. Além disso, ela acontece como resultado não de uma crise econômica, mas de um processo sistematizado (e pacífico) de integração da Europa.

Aliás, como insistem os 'euroespecialistas', o projeto euro não deve ser considerado uma reforma monetária --esta resultaria de uma crise econômica, na qual uma moeda nacional perde seu valor e, por isso, é substituída por outra (as inúmeras trocas monetárias realizadas no Brasil, nas décadas passadas, servem bem de exemplo para essa definição). No caso atual da Europa, porém, trata-se de uma união monetária, na qual as moedas nacionais foram simplesmente convertidas em euro, não pressupondo perdas no poder de compra, nos salários nem nas economias dos cidadãos.

O euro é resultado de um longo processo de integração política e econômica da Europa. Esse processo enfrentou várias crises, provocadas, entre outras coisas, pelas políticas divergentes dos países europeus e por uma opinião pública insegura. Mesmo no final do ano passado, por exemplo, nas vésperas de ter o euro dentro da carteira, a maioria dos alemães declarava-se contra a nova moeda comum --o que era compreensível, já que eles foram obrigados a abdicar do marco, o maior símbolo da prosperidade do país, por uma moeda de futuro incerto.

Na visão dos idealizadores do euro, entretanto, a introdução de uma moeda única trará grandes vantagens para a Europa, que há anos conta com um dos maiores mercados comuns do mundo, onde pessoas, bens e serviços circulam sem obstáculos. Agora, o euro facilitará e tornará menos custosas as transações comerciais e financeiras dentro da Eurolândia. Além disso, os 'euroentusiastas' acreditam que a nova moeda fomentará a integração política do continente.

Os países de fora, como o Brasil --que, aliás, tem a União Européia como principal parceiro comercial--, também poderão sair ganhando com o euro. Caso se imponha no mercado internacional, o euro se tornará outra moeda de referência além do dólar americano e do iene japonês, servindo como nova opção para as transações comerciais e financeiras. Além disso, a união monetária européia poderá 'inspirar' outros mercados comuns, como o Mercosul, a adotar uma moeda única, como já sugerem alguns estudos a respeito.

O euro, porém, contou não apenas com entusiastas, mas também com opositores, principalmente entre os economistas. Eles consideram as economias européias heterogêneas demais para adotarem uma moeda única e alertam para o fato de esta ter sido introduzida sem a existência de um poder central. Os 'eurocéticos' também criticam os altos custos relacionados ao projeto: a introdução do euro exigiu, por exemplo, a conversão de milhões de máquinas automáticas do continente e a eliminação de toneladas de notas e moedas antigas, que, em parte, acabarão como sucata.

Por um lado, a opinião pública européia sentiu-se alheia às decisões que levaram à introdução do euro, alegando, em várias pesquisas, desconhecimento sobre a nova moeda única e suas conseqüências. Por outro, nunca um tema econômico mobilizou tanto os intelectuais europeus, das mais diferentes áreas. "A introdução do euro é tão natural quanto adotarmos uma moeda vinda de Marte", ataca o escritor espanhol Manuel Vázquez Montalbán. "O euro não é uma moeda sem alma", defende o escritor italiano Claudio Magris. "É simplesmente jovem." 2

Este livro apresentará ao leitor a história do euro e da integração econômica européia (capítulo 1), destacando o Tratado de Maastricht (capítulo 2), que oficializou a união monetária. Explicará não só as vantagens e eventuais desvantagens da nova moeda única, mas também a polêmica que ela deflagrou (capítulo 3). O capítulo 4 dará um 'serviço' sobre o euro, descrevendo as novas cédulas e moedas e explicando o cálculo para a conversão. A conclusão fará um curto balanço sobre os três primeiros anos do euro no mercado financeiro, assim como tratará da eventual ampliação da UE e da Eurolândia para os países da Europa central e oriental.

1 Diva Benevides Pinho, 'Euro Versus Dólarà E o Real?'. Em: Informações Fipe, 221, 1999; p. 16.

2 Declarações tiradas de uma coletânea de textos de escritores europeus, na qual eles se despedem de suas antigas moedas nacionais: Uwe Wittstock (Hrg.), Ade, Ihr Schönen Scheine - Europäische Schriftsteller Nehmen Abschied von Ihren Währungen. München: Deutscher Taschenbuch Verlag, 2001; p. 23 e 57.

"O Euro"
Autor: Silvia Bittencourt

Nenhum comentário: