segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Entenda os protestos contra Morales na Bolívia

09/09/2008 - 19h20

da Folha Online

Cinco dos nove departamentos (Estados) da Bolívia iniciaram nesta segunda-feira (08) a terceira semana de protestos contra o presidente Evo Morales. Estradas foram bloqueadas, escritórios estatais tomados e as fronteiras com Brasil, Argentina e Paraguai foram fechadas.

Carlos Hugo Vaca/Reuters

Manifestantes entram em confronto com a polícia, durante protestos em Santa Cruz
As manifestações estão concentradas na região do Chaco boliviano, no sudeste do país, onde as maiores reservas de gás do país fazem fronteira com Brasil, Argentina e Paraguai. Há bloqueios nos departamentos (Estados) oposicionistas de Tarija, Beni, Pando, Chuquisaca e Santa Cruz.

Os governadores desses departamentos lideram os protestos contra o governo de Morales. No centro do debate estão: a nova Constituição, proposta pelo presidente boliviano, e um programa de pensão aos idosos do país, que conta com verbas obtidas da renda do gás.

Cerne do debate

Os últimos distúrbios começaram, depois que o departamento de Tarija, onde se concentra 60% da produção de gás e 85% das reservas do país, se opôs à decisão do governo de reduzir o repasse das verbas do principal imposto petrolífero do país, o IDH. Morales anunciou a medida com o intuito de aumentar a pensão dos idosos.

Em seguida, os outros quatro departamentos oposicionistas concordaram com Tarija e iniciaram protestos contra Morales. Eles argumentam que as verbas dirigidas aos idosos são o dobro do necessário e temem que o governo volte a reduzir os repasses de verbas.

Nas últimas horas, autoridades bolivianas reconheceram que os departamentos oposicionistas estão praticamente isolados devido aos protestos nas estradas. Em várias cidades bolivianas, os moradores são obrigados a fazer longas caminhadas e, de acordo com o governo, já há escassez de alguns itens de alimentação

Carros, manifestantes e montanhas de areia interrompem o trânsito nas cidades de San Vicente e San Matías, em Santa Cruz, no caminho para Cuiabá (MT), e de Puerto Suarez, em frente a Corumbá (MS).

No departamento de Tarija, foram registrados 17 pontos de bloqueio, em todas as estradas de acesso a essa região e nas cidades de Bermejo e Yacuiba, na fronteira com a Argentina onde os manifestantes ameaçam tomar os poços petrolíferos. Em Santa Cruz, todos os pedágios estavam tomados.

Constituição

O outro principal fator para o agravamento da crise na Bolívia é o projeto da nova Constituição, idealizada por Morales e rejeitada pela oposição. Depois do referendo revogatório do dia 10 de agosto, em que Morales e a maior parte dos governadores da oposição tiveram seus mandatos confirmados, o presidente tenta obter apoio para um referendo sobre o projeto da Carta Magna.

Morales obteve 67,4% dos votos, com grande aprovação até nas regiões opositoras, e resolveu convocar para dezembro os referendos necessários para promulgar a nova Constituição -um deles limitará o tamanho de latifúndios, tema sensível nas férteis terras do leste. A oposição rejeita a Carta, aprovada por constituintes governistas no ano passado.

Carlos Hugo Vaca/Reuters

Soldados tentam conter protestos da oposição contra o governo de Evo Morales, no departamento de Santa Cruz, no sudeste da Bolívia
O presidente anunciou neste sábado (06) que enviou ao Congresso um projeto de lei para a convocação dos dois referendos que faltam para a ratificação da nova Constituição. Em 28 de agosto, Morales decidiu, por decreto, que as duas consultas acontecerão dia 7 de dezembro.

Mas a Corte Nacional Eleitoral declarou-se impedida de preparar a votação, porque os referendos teriam de passar pelo Parlamento. Em resposta, Morales acusou o tribunal de "subordinação à direita", mas acabou baixando o tom do discurso.

O governo não tem maioria no Senado. Agora, Morales deve repetir estratégia que já usou em episódios anteriores: convocar sessão conjunta do Parlamento -com a Câmara, os governistas são maioria- enquanto milhares de simpatizantes cercam o edifício para pressionar pela votação.

Fronteira com o Brasil

A crise ameaça também o envio de combustíveis ao Brasil, que é o principal importador de gás da Bolívia. Mais de 70% do que o mercado brasileiro compra se destina ao mercado paulista.

No final de semana, integrantes do comitê cívico local --que reúne empresários e comerciantes aliados dos governadores de oposição-- ocuparam uma estação de compressão de gás, nos arredores de Tarija.

Foi a primeira invasão de uma instalação de gás desde que os líderes oposicionistas ameaçaram interromper a distribuição para Brasil e Argentina. Na sexta-feira (05), o chanceler brasileiro, Celso Amorim, disse que a Embaixada do Brasil em La Paz estava em contato com líderes da oposição e descartou que os manifestantes cumprissem suas ameaças.

Nesta segunda-feira (08), em Beni, os líderes opositores disseram que "não permitirão" as saídas para o Brasil "por Guayaramerín", ao passo que, em Pando, as pontes Internacional e da Amizade, que fazem ligação com o território brasileiro, também foram fechadas, informou a imprensa local.

"Faremos todo o possível para que restituam o IDH, reconheçam a autonomia departamental', e para que o governo 'detenha essa Constituição (...) que quer nos impor", disse David Sejas, presidente da União Juvenil Cruzenha.

Arte/Folha Online

Mapa de Villamontes na Bolívia.
O ativista lembrou que termina hoje a "trégua" de 72 horas dada pelas organizações civis, após a qual a pressão dos protestos deverá ser intensificada. Segundo Sejas, não estão descartadas a ocupação de aeroportos e o corte nas exportações de gás ao Brasil e à Argentina.

Há 15 dias, o bloqueio de estradas no leste e no sul da Bolívia provocou uma grave crise no fornecimento de combustíveis aos quatro departamentos. Desta vez, o acirramento dos protestos pode retomar o cenário de escassez.

Entre as estradas bloqueadas pelos manifestantes está o acesso a um megacampo de gás no extremo sul da Bolívia operado pela Petrobras.

Diante das ameaças, o governo militarizou campos e unidades de gás, assim como instalações públicas, nos departamentos de Tarija e Santa Cruz, ambos de oposição a Morales.

O chefe das Forças Armadas, general Luis Trigo, disse à imprensa boliviana nesta segunda-feira que os governadores das regiões que realizam manifestações devem "dialogar" com o governo.

"Pedimos o diálogo e que se evitem enfrentamentos", afirmou. "Temos que proteger áreas vitais do país, como a infra-estrutura, os recursos energéticos. Por isso, pedimos cabeça fria para negociar. E vamos evitar os enfrentamentos porque o pior seria que ocorressem mortes", afirmou Trigo.

Reforma no governo

Em meio à crise, Morales empossou nesta segunda-feira cinco ministros, realizando um ajuste no gabinete. Ingressaram no governo: o novo ministro da Saúde, Ramiro Tapia, que assumiu a pasta de Wálter Selum e o ministro de Hidrocarbonetos Saúl Avalos, que substituiu Carlos Villegas, que passou ao ministério do Planejamento.

Martín Alipaz-11.ago.2008/Efe

O presidente boliviano, Evo Morales, obteve no referendo o apoio de 67,43% da população para continuar em seu cargo
Carlos Romero assumiu como ministro do Desenvolvimento Rural e Agropecuário no lugar de Susana Rivero, que passou ao ministério da Microempresa. A dança das cadeiras no ministério de Morales --especialmente na área de hidrocarbonetos-- surpreendeu políticos e analistas. Foi a terceira reforma ministerial do atual governo em dois anos e meio de gestão, desde a posse em janeiro de 2006.

Na pasta de Hidrocarbonetos, Villegas era visto como "moderado" por interlocutores de países vizinhos. Ávalos ficou mais conhecido durante a Assembléia Constituinte, da qual foi integrante e defensor das propostas do governo.

Em maio passado, ele foi designado pela administração central como "interventor" --equivalente a diretor, indicado pelo presidente-- da CLHB (Companhia Logística de Hidrocarbonetos da Bolívia). A empresa foi nacionalizada e controla quase vinte locais de armazenagem de combustíveis, além de oleodutos, que abastecem o mercado boliviano.

Com agências internacionais

Entenda o que é a camada pré-sal

02/09/2008 - 11h48

da Folha Online

A chamada camada pré-sal é uma faixa que se estende ao longo de 800 quilômetros entre os Estados do Espírito Santo e Santa Catarina, abaixo do leito do mar, e engloba três bacias sedimentares (Espírito Santo, Campos e Santos). O petróleo encontrado nesta área está a profundidades que superam os 7 mil metros, abaixo de uma extensa camada de sal que, segundo geólogos, conservam a qualidade do petróleo (veja figura abaixo).

Vários campos e poços de petróleo já foram descobertos no pré-sal, entre eles o de Tupi, o principal. Há também os nomeados Guará, Bem-Te-Vi, Carioca, Júpiter e Iara, entre outros.

Arte Folha


Um comunicado, em novembro do ano passado, de que Tupi tem reservas gigantes, fez com que os olhos do mundo se voltassem para o Brasil e ampliassem o debate acerca da camada pré-sal. À época do anúncio, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) chegou a dizer que o Brasil tem condições de se tornar exportador de petróleo com esse óleo.

Tupi tem uma reserva estimada pela Petrobras entre 5 bilhões e 8 bilhões de barris de petróleo, sendo considerado uma das maiores descobertas do mundo dos últimos sete anos.

Neste ano, as ações da estatal tiveram forte oscilação depois que a empresa britânica BG Group (parceira do Brasil em Tupi, com 25%) divulgou nota estimando uma capacidade entre 12 bilhões e 30 bilhões de barris de petróleo equivalente em Tupi. A portuguesa Galp (10% do projeto) confirmou o número.

Para termos de comparação, as reservas provadas de petróleo e gás natural da Petrobras no Brasil ficaram em 13,920 bilhões (barris de óleo equivalente) em 2007, segundo o critério adotado pela ANP (Agência Nacional do Petróleo). Ou seja, se a nova estimativa estiver correta, Tupi tem potencial para até dobrar o volume de óleo e gás que poderá ser extraído do subsolo brasileiro.

Estimativas apontam que a camada, no total, pode abrigar algo próximo de 100 bilhões de boe (barris de óleo equivalente) em reservas, o que colocaria o Brasil entre os dez maiores produtores do mundo.

Mais dúvidas

A Petrobras, uma das empresas pioneiras nesse tipo de perfuração profunda, porém, não sabe exatamente o quanto de óleo e gás pode ser extraído de cada campo e quando isso começaria a trazer lucros ao país.

Ainda no rol de perguntas sem respostas, a Petrobras não descarta que toda a camada pré-sal seja interligada, e suas reservas sejam unitizadas, formando uma reserva gigantesca.

Justamente por conta do desconhecimento sobre o potencial da camada pré-sal o governo decidiu que retomará os leilões de concessões de exploração de petróleo no Brasil apenas nas áreas localizadas em terra e em águas rasas. Afinal, se a camada for única, o Brasil ainda não tem regras de como leiloaria sua exploração.

Assim, toda a região em volta do pré-sal não será leiloada até que sejam definidas as novas regras de exploração de petróleo no país (Lei do Petróleo), que voltaram a ser discutidas pelo Planalto --foi criada uma comissão interministerial para debater modelos em vigor em outros países e o destino dos recursos do óleo extraído.

Além disso, o governo considera criar uma nova estatal para administrar os megacampos, que contrataria outras petrolíferas para a exploração --isso porque os custos de exploração e extração são altíssimos. Os motivos alegados no governo para não entregar a região à exploração da Petrobras são a participação de capital privado na empresa e o risco de a empresa tornar-se poderosa demais.

Opiniões

O diretor de exploração e produção da Petrobras, Guilherme Estrella, disse que a discussão em torno das mudanças no marco regulatório do petróleo não levará em conta o interesse privado.

"Existem vários interesses públicos e privados envolvidos nessa questão. A Petrobras é uma empresa que tem controle governamental, mas tem acionistas privados, que têm que ser respeitados. Ao mesmo tempo, o aproveitamento dessas riquezas é questão de Estado brasileiro", reconheceu.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem feito vários discursos em que mencionou que as reservas pertencem ao "povo brasileiro" e devem ser usadas em benefício do país, como para aplicações na educação. Lula chegou a mencionar que as reservas eram uma chance divina e deveria ser usada para reparar uma dívida com os mais pobres.

Entenda a tensão envolvendo a Geórgia e a Rússia

27/08/2008 - 07h46

da BBC

A Rússia reconheceu formalmente a independência das Províncias separatistas georgianas da Ossétia do Sul e da Abkházia.

A decisão provocou uma reação do governo da Geórgia, que acusou a Rússia de estar anexando ostensivamente seu território.

Arte/Folha Online


A comunidade internacional também reagiu à medida russa. Os Estados Unidos e a França qualificaram a decisão de "lamentável". O Reino Unido disse que rejeita categoricamente a medida.

A Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) disse que a declaração viola várias resoluções do Conselho de Segurança da ONU endossadas pela própria Rússia.

Entretanto, os líderes da Ossétia do Sul e da Abkházia, que proclamaram independência no início da década de 1990, agradeceram à Rússia.

No início deste mês, forças georgianas, russas e da própria Ossétia do Sul estiveram envolvidas em combates que causaram mortes e destruição na Província.

Ocorreram ainda choques na Abkházia e ataques russos em outras partes da Geórgia.

Saiba mais sobre o conflito.

O que provocou a atual crise vigente?

Uma série de choques entre forças da Geórgia e da Ossétia do Sul nas últimas semanas levou a Geórgia a realizar um ataque por terra e ar à Ossétia do Sul no dia 7 de agosto.

As forças georgianas controlaram a capital da Ossétia do Sul, Tskhinvali, durante parte do dia seguinte.

A Rússia, por sua vez, enviou milhares de soldados para a Ossétia do Sul, e realizou bombardeios na Província e em alvos em outras partes da Geórgia.

Há relatos de crimes de guerra de ambos os lados, que não tiveram verificação independente.

As forças russas entraram na Ossétia do Sul antes ou depois do ataque georgiano?

A seqüência de eventos não está clara. A Geórgia diz que começou seu ataque depois de saber que um grande comboio de tanques russos estava passando pelo túnel Roki, da Ossétia do Norte para a do Sul.

Já a Rússia diz que agiu para defender os cidadãos russos na Ossétia do Sul e seus próprios soldados de paz estacionados na região separatista.

Como o conflito se desenvolveu?

Forças russas ocuparam partes da Geórgia em volta da Ossétia do Sul, inclusive Gori, uma cidade estratégica na principal estrada que liga o leste e o oeste da Geórgia.

Os soldados russos também se deslocaram de bases na Abkházia para partes no oeste da Geórgia, e a frota russa enfrentou a marinha georgiana.

Forças da Abkházia recapturaram o desfiladeiro de Kodori --uma região da Abkházia tomada pelas tropas georgianas em 2006.

Quem são os mortos e os feridos?

Muitos civis tiveram de abandonar suas casas na Ossétia do Sul. Vários deles cruzaram a fronteira e foram para a Ossétia do Norte (russa).

Moradores de vilarejos georgianos na Ossétia do Sul e da cidade de Gori também fugiram dos combates.

Há notícia de que boa parte da capital da Ossétia do Sul, Tskhinvali, está em ruínas.

Por que a Rússia está envolvida no caso?

Mais da metade dos 70 mil cidadãos da Ossétia do Sul teria aceitado uma oferta de cidadania russa feita por Moscou. A Rússia diz que suas ações tiveram o objetivo de proteger estes cidadãos.

A Rússia também tem soldados de paz estacionados na Ossétia do Sul. Alguns deles foram mortos no ataque georgiano no dia 7 de agosto.

Até recentemente, a Rússia disse que respeitaria a integridade territorial da Geórgia e tinha a intenção apenas de cuidar dos cidadãos russos. Mas depois do ataque georgiano, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, disse que agora é pouco provável que a Ossétia do Sul se reintegre ao resto da Geórgia.

A Geórgia tem ligações com a Otan?

O presidente Saakashvili fez da integração à Otan um de seus principais objetivos --e a Otan concordou em abril de 2008 que a Geórgia se tornará um membro da aliança de defesa ocidental no futuro, mas não fixou uma data.

O país tem laços estreitos com os Estados Unidos, e inclusive enviou soldados para a coalizão liderada pelos americanos no Iraque.

Os Estados Unidos ajudaram a treinar e armar militares da Geórgia. O país ajudou ainda tropas georgianas a voltarem do Iraque depois da incursão russa na Ossétia do Sul.

Qual é o status da Ossétia do Sul?

A Ossétia do Sul vem gerenciando seus próprios assuntos desde os combates pela sua independência da Geórgia em 1991 e 1992, ocorridos após a desintegração da União Soviética. A Abkházia declarou sua independência em 1992.

Até agora, a independência dessas duas Províncias não havia sido reconhecida por nenhum país.

No entanto, em 26 de agosto, a Rússia anunciou que reconheceu formalmente a independência das duas Províncias rebeldes.

Qual é a origem do desejo da Ossétia por independência?

O povo da Ossétia é de um grupo étnico originário das planícies da Rússia, ao sul do rio Don. No século 13, eles foram empurrados para o sul pelas invasões dos mongóis, ocupando as montanhas do Cáucaso e se estabelecendo na fronteira com a Geórgia.

O povo da Ossétia do Sul deseja se unir a seus semelhantes étnicos na Ossétia do Norte, que é uma república autônoma dentro da Federação Russa.

A comunidade de origem étnica georgiana é uma minoria na Ossétia do Sul, representando menos de um terço da população.

Mas a Geórgia rejeita até o nome da Ossétia do Sul, preferindo chamar a região por seu antigo nome, Samachablo, ou referir-se a ela como Tskhinvali, sua principal cidade.

Entenda a crise financeira que atinge a economia dos EUA

15/09/2008 - 11h35

da Folha Online

A crise no mercado hipotecário dos EUA é uma decorrência da crise imobiliária pela qual passa o país, e deu origem, por sua vez, a uma crise mais ampla, no mercado de crédito de modo geral. O principal segmento afetado, que deu origem ao atual estado de coisas, foi o de hipotecas chamadas de "subprime", que embutem um risco maior de inadimplência.

O mercado imobiliário americano passou por uma fase de expansão acelerada logo depois da crise das empresas "pontocom", em 2001. Os juros do Federal Reserve (Fed, o BC americano) vieram caindo para que a economia se recuperasse, e o setor imobiliário se aproveitou desse momento de juros baixos. A demanda por imóveis cresceu, devido às taxas baixas de juros nos financiamentos imobiliários e nas hipotecas. Em 2003, por exemplo, os juros do Fed chegaram a cair para 1% ao ano.

Em 2005, o "boom" no mercado imobiliário já estava avançado; comprar uma casa (ou mais de uma) tornou-se um bom negócio, na expectativa de que a valorização dos imóveis fizesse da nova compra um investimento. Também cresceu a procura por novas hipotecas, a fim de usar o dinheiro do financiamento para quitar dívidas e, também, gastar (mais).

As empresas financeiras especializadas no mercado imobiliário, para aproveitar o bom momento do mercado, passaram a atender o segmento "subprime". O cliente "subprime" é um cliente de renda muito baixa, por vezes com histórico de inadimplência e com dificuldade de comprovar renda. Esse empréstimo tem, assim, uma qualidade mais baixa --ou seja, cujo risco de não ser pago é maior, mas oferece uma taxa de retorno mais alta, a fim de compensar esse risco.

Em busca de rendimentos maiores, gestores de fundos e bancos compram esses títulos "subprime" das instituições que fizeram o primeiro empréstimo e permitem que uma nova quantia em dinheiro seja emprestada, antes mesmo do primeiro empréstimo ser pago. Também interessado em lucrar, um segundo gestor pode comprar o título adquirido pelo primeiro, e assim por diante, gerando uma cadeia de venda de títulos.

Porém, se a ponta (o tomador) não consegue pagar sua dívida inicial, ele dá início a um ciclo de não-recebimento por parte dos compradores dos títulos. O resultado: todo o mercado passa a ter medo de emprestar e comprar os "subprime", o que termina por gerar uma crise de liquidez (retração de crédito).

Após atingir um pico em 2006, os preços dos imóveis, no entanto, passaram a cair: os juros do Fed, que vinham subindo desde 2004, encareceram o crédito e afastaram compradores; com isso, a oferta começa a superar a demanda e desde então o que se viu foi uma espiral descendente no valor dos imóveis.

Com os juros altos, o que se temia veio a acontecer: a inadimplência aumentou e o temor de novos calotes fez o crédito sofrer uma desaceleração expressiva no país como um todo, desaquecendo a maior economia do planeta --com menos liquidez (dinheiro disponível), menos se compra, menos as empresas lucram e menos pessoas são contratadas.

No mundo da globalização financeira, créditos gerados nos EUA podem ser convertidos em ativos que vão render juros para investidores na Europa e outras partes do mundo, por isso o pessimismo influencia os mercados globais.

Financiadoras

Em setembro do ano passado, o BNP Paribas Investment Partners --divisão do banco francês BNP Paribas-- congelou cerca de 2 bilhões de euros dos fundos Parvest Dynamic ABS, o BNP Paribas ABS Euribor e o BNP Paribas ABS Eonia, citando preocupações sobre o setor de crédito 'subprime' (de maior risco) nos EUA. Segundo o banco, os três fundos tiveram suas negociações suspensas por não ser possível avaliá-los com precisão, devido aos problemas no mercado "subprime" americano.

Depois dessa medida, o mercado imobiliário passou a reagir em pânico e algumas das principais empresas de financiamento imobiliário passaram a sofrer os efeitos da retração; a American Home Mortgage (AHM), uma das 10 maiores empresa do setor de crédito imobiliário e hipotecas dos EUA, pediu concordata. Outra das principais empresas do setor, a Countrywide Financial, registrou prejuízos decorrentes da crise e foi comprada pelo Bank of America.

Bancos como Citigroup, UBS e Bear Stearns têm anunciado perdas bilionários e prejuízos decorrentes da crise. Entre as vítimas mais recentes da crise estão as duas maiores empresas hipotecárias americanas, a Fannie Mae e a Freddie Mac. Consideradas pelo secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, "tão grandes e tão importantes em nosso sistema financeiro que a falência de qualquer uma delas provocaria uma enorme turbulência no sistema financeiro de nosso país e no restante do globo", no dia 7 deste mês foi anunciada uma ajuda de até US$ 200 bilhões.

As duas empresas possuem quase a metade dos US$ 12 trilhões em empréstimos para a habitação nos EUA; no segundo trimestre, registraram prejuízos de US$ 2,3 bilhões (Fannie Mae) e de US$ 821 milhões (Freddie Mac).

Menos sorte teve o Lehman Brothers: o governo não disponibilizou ajuda como a que foi destinada às duas hipotecárias. O banco previu na semana passada um prejuízo de US$ 3,9 bilhões e chegou a anunciar uma reestruturação. Antes disso, o banco já havia mantido conversas com o KDB (Banco de Desenvolvimento da Coréia do Sul, na sigla em inglês) em busca de vender uma parte sua, mas a negociação terminou sem acordo.

O Bank of America e o Barclays também recuaram, depois que ficou claro que o governo não iria dar suporte à compra do Lehman. Restou ao banco entregar à Corte de Falências do Distrito Sul de Nova York um pedido de proteção sob o "Capítulo 11", capítulo da legislação americana que regulamenta falências e concordatas.

Combate

Como medida emergencial para evitar uma desaceleração ainda maior da economia --o que faz crescer o medo que o EUA caiam em recessão, já que 70% do PIB americano é movido pelo consumo--, o presidente americano, George W. Bush, sancionou em fevereiro um pacote de estímulo que incluiu o envio de cheques de restituição de impostos a milhões de norte-americanos.

O pacote estipulou uma restituição de US$ 600 para cada contribuinte com renda anual de até US$ 75 mil; e US$ 1.200 para casais com renda até US$ 150 mil, além de US$ 300 adicionais por filho. Quem não paga imposto de renda, mas recebe o teto de US$ 3 mil anuais, teve direito a cheques de US$ 300.